Paola Carosella abraça o novo: ‘Sou uma mulher que é muito mais do que uma cozinheira’

Por Danilo Saraiva (@danilosaraiva)

Capa Paola Carosella – Maio/2023 – Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella está de volta à TV em um programa com aquilo que a fez ser conhecida no Brasil todo: a gastronomia. Porém, quem pensa em ver a carismática empresária e apresentadora argentina, naturalizada brasileira, em mais aventuras culinárias ou como jurada de corajosos cozinheiros, amadores ou não, está pelo menos parcialmente enganado. Alma de Cozinheira – sua nova atração, que é exibida toda quarta-feira, 21h30, na GNT – conta com boa comida, mas não é isso que dá liga ao projeto.

“Não sou mais a jurada, não estou ensinando a receita, eu estou convidando pessoas incríveis para comer a comida que fiz e conversar sobre diversos assuntos”, detalha. Após seis anos e meio atuando como uma das integrantes da banca do MasterChef, da Band, ela conta que precisava não só de mais leveza, como também se libertar da alcunha de “chef de cozinha do restaurante sério que quer ganhar prêmios e competir”.

Paola Carosella usa vestido e casaco Neriage, brincos Carlos Penna e sandália Arezzo — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella usa vestido e casaco Neriage, brincos Carlos Penna e sandália Arezzo — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella usa vestido e casaco Neriage e brincos Carlos Penna  — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella usa vestido e casaco Neriage e brincos Carlos Penna — Foto: Thais Vandanezi

Convidada pela Quem para ser a capa digital de maio, Paola posou para as lentes de Thaís Vandanezi na icônica Zipper Galeria, em São Paulo, em meio à exposição Orquestra Assinfônica Fotossintética, da artista plástica Camille Kachani. Para o ensaio, fez poucas exigências: nenhum Photoshop nas fotos, café e água à disposição.

Durante quase cinco horas de trabalho, se divertiu, nos divertiu e fascinou com a inteligência, simpatia e elegância ímpares que tanto nos fizeram admirá-la desde que ela chegou à TV em 2014 – ou pelo menos desde 2003, no caso dos amantes da alta gastronomia, quando tomou comando da carreira no Julia Cocina, seu primeiro restaurante.

Além de apresentadora contratada da Globo, Paola hoje é empresária bem-sucedida, sócia do restaurante Arturito, em São Paulo, e também da rede de cafés La Guapa, especializada em empanadas latinoamericanas.

Nesta entrevista, a cozinheira, como gosta de ser chamada, fala sobre as origens na Argentina e como aprendeu e se apaixonou pela gastronomia ao tentar preencher o tempo solitária na infância e adolescência. Discorre sobre machismo no ramo e também na vida pessoal (“Demorei muito tempo para entender que eu estava num relacionamento abusivo”). Explica a difícil decisão de falar sobre alimentação saudável num país cuja história política tem negligenciado o direito das pessoas de ter comida de qualidade na mesa (“Quando eu milito de alguma maneira – e sou esculachada -, estou militando por acesso à comida de verdade”).

Por fim, detalha as dificuldades do ramo de restaurantes; a paixão pela filha, Francesca; como tem curtido o relacionamento com o fotógrafo Manuel Sá; e também o direito absoluto de tomar novos rumos na carreira aos 50 anos de idade, 32 como chef – ou cozinheira – profissional. “É difícil para as pessoas entenderem que uma mulher da minha idade pode começar de novo.”

Paola Carosella usa vestido Due Panno, brincos Carolina Neves e sandália Schutz — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella usa vestido Due Panno, brincos Carolina Neves e sandália Schutz — Foto: Thais Vandanezi

Pra começar, ‘Alma de Cozinheira’. Que nome bonito. Lembro que no MasterChef você sempre fazia questão de ser chamada de cozinheira e também se dirigia assim aos competidores. Nunca era chef de cozinha.

Eu sempre fiz questão de ser chamada de cozinheira mesmo quando eu era chef de cozinha. Todo mundo é cozinheiro e pode estar chefiando uma cozinha. Afinal, chef é um cargo. Mas sinto que existe uma cultura em que ser chef de cozinha é melhor do que ser cozinheiro. No MasterChef, me dava um pouco de medo associar meu nome a isso, o que era difícil, porque eu trabalhava num programa chamado ‘MasterCHEF’ (dá ênfase, aos risos). Era óbvio que iria acontecer. Mas eu não queria criar grandes expectativas nas pessoas, com elas imaginando que eu fazia uma comida muito sofisticada, complexa. Minha comida sempre foi completamente o oposto disso. É muito italianona, caseira, gostosa, suculenta, mas não refinada. Não chef.

É o que seu canal no YouTube realmente nos mostrou depois do programa. Já fiz muito o seu omelete cheio de manteiga (risos). Mas além da simplicidade das receitas acessíveis, é bonito como você fala com amor sobre a comida, os ingredientes, o manuseio deles, a química por trás. Como se deu esse interesse romântico pela gastronomia?

Eu cresci numa família de imigrantes italianas com duas avós muito cozinheiras, donas de casa. Tinham sido camponesas na Itália. Na Argentina, tínhamos galinhas, coelhos, uma cabra no quintal pra tirar leite, fazer queijo. Minha avó matava galinhas, colhia tomates, figo, fazia doces, vinho… Na adolescência, eu gostava de ver programas de culinaristas e de cozinhar, para preencher o tempo, pra me divertir e pra me acolher. Aos 18 anos, escolhi ser cozinheira. Dei uns rolês pra conseguir um estágio. Não tinha universidade, curso, nada disso.

Então, primeiro, eu me encantei com como cozinhar ocupava meu tempo. Depois, com a beleza, o processo… A galinha nasce, cresce, morre, vira um ensopado, vai pra mesa (risos). A comida é bonita. Tem cheiros, cores, barulhos. Já profissionalmente me encantei com a correria das cozinhas profissionais, com o fogo e o foco. Cozinhar é fazer várias coisas ao mesmo tempo e todas elas fazem parte de uma só. Isso me mantinha muito ligada ao trabalho. Foi muito sedutor pra mim.

Você falou muito sobre preencher o seu tempo. Por que? Sua infância e adolescência eram tediosas?

Eu morava só com a minha mãe. Ela trabalhava e estudava à noite. Eu ficava sozinha por muitas horas e tinha que preencher meu tempo pra não ficar solitária, ocupar a casa de cheiros, de temperatura, de movimento. E a cozinha é um espaço em que isso acontece. Tem uma panela que ferve, que sai um vapor, um cheiro que perfuma, um barulho, um forno que te mantém aceso, não só ele. A cozinha está ligada à vida, muito. E eu estava muito sozinha, precisava de companhia. A cozinha me deu isso.

Paola Carosella usa vestido A La Garçonne e sandália Arezzo — Foto: Thais Vandanezi

É impressionante o elenco da primeira temporada do programa. Fátima Bernardes, Pedro Bial, Juliette… Como o Alma de Cozinheira é diferente de outras participações suas na TV?

O programa é um jantar. Eu que dei este nome porque sou uma mulher que é muito mais do que uma cozinheira, mas a alma sempre vai ser. Eu amo o que eu faço, receber pessoas, manusear ingredientes e fazer massa, bolo, sobremesas, pensar cardápios… Mas também adoro conversar sobre outras coisas e não sobre comida o tempo todo. E quero me desafiar a fazer coisas novas. Esta é a primeira vez que saio um pouco deste espaço [da gastronomia, exclusivamente]. Não sou mais a jurada, não estou ensinando a receita, eu estou convidando pessoas incríveis para comer a comida que eu fiz e conversar sobre diversos assuntos. A comida pincela o programa, mas não é um programa em que eu ensino a cozinhar e os convidados estão só ali do lado.

Recentemente você declarou estar procurando um pouco mais de leveza depois de fazer o MasterChef. Era pesado julgar as pessoas daquela forma?

Eu amei fazer, me diverti muito e aprendi. Mas chegou uma hora em que o meu caminho pessoal era se afastar um pouco da “chef de cozinha do restaurante sério que quer ganhar prêmio e competir” [enfatiza]. Não era o que eu queria fazer, continuar num programa que se chamava MasterChef… Depois de 32 anos de cozinha, me senti no direito de partir para outra. Já não fazia sentido ficar num lugar em que eu precisava falar como as cozinhas profissionais são exigentes, têm muita pressão, anseios e a procura constante pela perfeição. Tudo isso está tão longe de mim hoje em dia. Por um lado foi isso. Por outro, foram seis anos e meio num mesmo papel. Eu raramente quero ficar sempre fazendo a mesma coisa. Acho muito legal se desafiar.

Sou uma mulher que é muito mais do que uma cozinheira, mas a alma sempre vai ser

— Paola Carosella

Paola Carosella usa vestido Glória Coelho, brincos Carolina Neves e sandália Arezzo — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella usa vestido Glória Coelho, brincos Carolina Neves e sandália Arezzo — Foto: Thais Vandanezi

Temos uma questão forte no Brasil, que é a fome. O que os restaurantes fazem ou deveriam fazer em relação ao desperdício de alimentos no nosso país, na sua opinião?

Durante um tempo os restaurantes não podiam doar os alimentos não utilizados. Mas agora existem plataformas onde todo mundo pode doar, não somente restaurantes, como pessoas físicas. Tem uma plataforma que se chama Comida Invisível, que você pode se cadastrar e doar, por exemplo, quatro quilos de batata. Essa plataforma vai te conectar com alguém que está perto e se disponibiliza a ir até a sua casa buscar. No Arturito a gente doa muita coisa, mas não é descarte. Eu faço a massa do macarrão com gemas, então colocamos as claras dos ovos orgânicos no vácuo e doamos. Doamos também os cogumelos que são usados para fazer o caldo, já que os cogumelos não são usados na receita. No La Guapa, doamos a massa das empanadas. Mas o problema da fome não está ligado à cadeia produtiva, que é o arroz e o feijão que sobrou na sua geladeira.

Está ligado a que?

O desperdício acontece no início da produção. Cerca de 30% da produção mundial de alimentos é descartada antes de chegar à gôndola do mercado. As políticas públicas fazem com que o alimento só chegue àquele que paga. Não é um direito, é consumo. Se fosse um direito, como está na Declaração Universal dos Direitos Humanos, os governos teriam políticas para quem não tem acesso ao alimento. O Brasil já teve. Foram extintas no último governo, vamos ver o que acontece agora… E o Brasil não deveria ter fome. O país produz comida de sobra e tem biodiversidade, tem água, tem terra, tem clima. A fome dos últimos tempos foi uma decisão política e poderia ter sido evitada, além da pandemia e além da guerra na Ucrânia. Essas situações incentivaram, mas desde 2018 já existiam sinais graves de que as coisas estavam piorando.

Neste cenário, o empresário de restaurante, o chef de cozinha, tem que ter responsabilidade social?

A minha responsabilidade social e a de todo mundo é olhar em volta e pro entorno como iguais e ver tudo o que eu posso fazer para esse entorno. Como cozinheira e como empresária, eu sou coordenadora do projeto Cozinha e Voz, que desde 2017 forma cozinheiras e cozinheiros em fragilidade social. No Arturito a gente compra de fornecedores locais, tenta fortalecer pequenos produtores. Temos a Salada do Agricultor, o Prato do Agricultor. A maioria dos insumos que o nosso restaurante tem vende agricultura familiar, orgânica. A gente tenta. E, obviamente, não desperdiçar. Quando podemos doar, doamos. Mas quem apaziguou a fome durante a pandemia foi a sociedade civil. Aquelas dez pessoas que se juntavam pra fazer sopão na esquina de casa. Quanto tivemos disso? Não é só a gente [os empresários]. Tudo bem, nós também temos responsabilidade. Quando o problema bate à porta do jeito que aconteceu no Brasil, todo mundo tem. Mas dá muita raiva ver que tudo isso poderia ter sido evitado.

Eu vejo você sempre falando dos ingredientes serem frescos, da gente tentar plantar em casa nossos temperos, comprar insumos mais saudáveis e, por fim, cozinhar, o que é bastante válido. Mas como aquela mãe solo que tem três filhos desiste da salsicha, do nuggets, com suas facilidades e preços acessíveis, para comprar e cozinhar um ovo?

Mas eu que tenho que dar uma dica para a vítima do sistema? O que eu preciso é que o sistema se modifique. Uma mãe solo de três filhos… Cadê o pai dessas crianças, cadê o sogro, cadê o entorno que eu mencionei? Sobrou só pra ela? E aí eu tenho que falar: não compra a salsicha, faz mal. Compra tomate, legumes, faz uma saladinha! É uma sacanagem! Eu tenho um papel muito difícil. Por um lado, resistir, ensinar a cozinhar com ingredientes de verdade, sabendo que provavelmente a maioria das pessoas não têm acesso a isso. Quando eu milito de alguma maneira – e sou esculachada -, estou militando por acesso à comida de verdade. E também por tempo. Não adianta ter acesso se você não tem tempo para cozinhar. Depois dessas duas coisas, milito por conhecimento. A comida tem que voltar a ser importante. Temos que falar sobre cozinhar para que isso não vire um tabu. Eu sei que é perigoso, mas quais são as minhas alternativas? Continuar falando, para fazer com que a comida continue existindo, ou me silenciar e votar que ela vire um tabu? Se vira, já era. Vão nos dar o que eles querem nos dar para comer. Farinata, como deram em São Paulo, lá em 2018. Era uma ração humana. Quando eu critiquei essa medida no Twitter, muitas pessoas me atacaram. Pegaram um produto que ia ser descartado, um dia antes da validade, transformaram nesta ração, embalaram com uma imagem santa e deram para essas pessoas. No fim é: ‘eles podem comer isso, mas eu vou comer meu bife, minha moquequinha’. Sabendo dessa realidade, defender a comida, para mim, é uma forma de fazer ela continuar existindo.

Quando eu milito de alguma maneira – e sou esculachada -, estou militando por acesso à comida de verdade

— Paola Carosella

Paola Carosella usa vestido Glória Coelho, brincos Carolina Neves e sandália Arezzo — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella usa vestido Glória Coelho, brincos Carolina Neves e sandália Arezzo — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella usa vestido Glória Coelho, brincos Carolina Neves e sandália Arezzo — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella usa vestido Glória Coelho, brincos Carolina Neves e sandália Arezzo — Foto: Thais Vandanezi

Ok, não vou mais fazer essas perguntas. É que à parte disso, do acesso, o bom desse boom de programas culinários, cujo precursor recente foi o MasterChef, é que muito mais gente voltou a ter apreço por cozinhar. Essa mesma gente sem tempo…

[Paola me interrompe e ri] Pode perguntar. Pode mesmo! Pode! Pergunta! Não estou te culpando, de jeito nenhum… Jamais [Sorri muito e insiste]

Então…

Sim, isso é excelente [MasterChef, precursor do desejo de cozinhar], é também uma forma de resistência. Eu fui muito pro extremo com você. Talvez eu tenha sido grossa. Talvez sua pergunta tenha sido: ‘qual é o pulo do gato para aquele que quer cozinhar e comer melhor?’

Sobretudo era meio isso (risos).

Eu acho que quem quer comer melhor e cozinhar tem que entender primeiro que leva tempo e que você tem que lavar a louça. Não existe o ‘cozinho, mas não gosto de lavar louça’. As pessoas têm que entender que dá trabalho, mas pode ser muito prazeroso. E elas precisam se concentrar. Não ficar olhando o celular toda hora. De repente ouvir um podcast e conversar com alguém enquanto faz. Essa mãe solo, se trabalha fora, não vai ter o tempo de cozinhar todo dia. Alguém tem que esticar a mão, ela tem que ter uma comunidade de apoio, de suporte. A gente perdeu isso nesta sociedade nova, onde cada um mora sozinho e afastado de sua família.

E com problemas crescentes de saúde, mentais, obcecados com trabalho até tarde no home office…

Estamos caminhando para um lugar perigoso se continuarmos assim. Cada vez mais afastados do princípio básico de que a gente também é bicho na natureza. Nós somos natureza e precisamos comer, preparar o alimento. Esse tempo que a gente gasta para cozinhar também te limpa a cabeça. É um exercício. Talvez colocar como regra cozinhar três vezes na semana, ou duas. E aí você vai guardar algumas coisas na geladeira. Se você tem um molho de tomate delicioso, consegue fazer um macarrão em cinco minutos. Se você fez uma sopa, é só congelar. Sopa é janta (risos). O ato de cozinhar tem que estar envolvido no nosso cotidiano. E os solteiros, as pessoas que não têm filhos, os homens, principalmente, não têm mais esse hábito. Meu namorado, por exemplo. Eu abro a geladeira dele e tem uma bandeja de bacon com uma fatia. Não tem mais nada. No cotidiano da maioria das pessoas, fazer comida não está na agenda. E tempo tem. Ou pra trabalhar mais ou pra perder nas redes sociais.

Paola Carosella usa blazer e calça MISCI e brincos Carolina Neves — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella usa blazer e calça MISCI e brincos Carolina Neves — Foto: Thais Vandanezi

Restaurante é um business ingrato. Você teve muitas dificuldades como empresária?

Muitas. O Arturito tem 15 anos, muito orgulho. É um ramo muito difícil, especialmente se você não tem suporte, nenhum apoio. Foi meu caso no Julia Cocina (aberto em 2003). Era eu sozinha comigo mesma. Foi um sucesso de público, ganhou prêmios, mas muito difícil de levar. Num momento, quando eu percebi que meu sócio não estava presente como eu gostaria, resolvemos que ou um saía ou um comprava do outro. As duas propostas estavam em cima da mesa. Ele decidiu comprar de mim, vendi minha parte e eu abri o Arturito. E lá eu estou há 15 anos porque quando ele tinha oito anos eu conheci o Benny [Goldenberg], meu atual sócio. A gente tem uma parceria muito sadia e cada um tem o seu talento. Tem uma coisa com os restaurantes que muita gente ama cozinhar e resolve abrir um. Mas não é assim que funciona. Se você ama cozinhar, não quer dizer que você vai saber administrar. São milhões de impostos, leis, regulamentações e portarias. Coisas que temos que estar ligadas. Se você está cozinhando o tempo todo, não tem tempo de olhar isso. Por isso tantos restaurantes abrem e fecham. É desesperador tudo o que você tem que fazer.

Nesta trajetória de 32 anos como cozinheira, você sentiu muito o machismo do ramo?

Eu comecei a cozinhar aos 18 anos, em 1990. Eu pertenci a uma geração de mulheres que achavam que as feministas já tinham feito o que tinham que fazer e agora era só esperar que o machismo acabasse [risos]. Não se falava nisso. Por mais que minha mãe fosse forte e independente, não fui criada com o alerta ‘cuidado com os homens’. Eu honestamente não tinha o radar ligado para isso. Talvez se eu voltasse pra trás hoje, com o meu entendimento do machismo atual, te falaria: ‘sofri milhares de vezes’. Agora sim eu tenho o radar muito ligado porque voltamos a falar disso. E a gente consegue entender e desconstruir hoje o nosso próprio machismo. Mas para isso você precisa observar com lupa e estar ligado em quais são os gatilhos que antes não reconhecia. Se eu voltasse ao passado, provavelmente eu te falaria: ‘esse aqui é bem macho escroto’.

Paola Carosella usa blazer e calça MISCI, brincos Carolina Neves e sandália Eurico — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella usa blazer e calça MISCI, brincos Carolina Neves e sandália Eurico — Foto: Thais Vandanezi

Você declarou, quando anunciou a separação de Jason Lowe [com quem foi casada por oito anos], que percebeu situações de machismo vindas dele, atitudes especialmente relacionadas ao seu sucesso profissional.

E eu demorei muito tempo, e com muita terapia, que eu faço há muitos anos, para entender que eu estava num relacionamento abusivo. Com alguém que não me deixava ser, que me podava, que me dava recomendações do que eu deveria fazer. Que me fazia sentir culpada por eu ter sucesso, por ser curiosa e querer fazer coisas novas. Que me desencorajava a fazer essas coisas e tentava me manter dentro de casa. Que me fazia sentir culpada porque eu ia trabalhar e usava minha filha para me impor culpa. ‘Ah, você foi embora, ela ficou tão triste’. Porque eu tinha ido trabalhar, sabe? São umas pinceladas muito finas. Quando eu tiro elas de contexto e te conto, parecem terríveis, e são. Misturadas no cotidiano, era algo que passava despercebido. Daí a gente se separou. Veio um espaço e um silêncio e neste espaço e silêncio você começa a olhar tudo o que aconteceu e fala: ‘nossa, por que eu me deixei estar neste lugar?’. Eu acho que mulheres e homens entram em relacionamentos abusivos por muitos motivos. E um dos principais é porque talvez tivemos relacionamentos abusivos na infância, com nossos próprios pais. Corremos atrás do que consideramos o que é amor. Até que a gente perceba isso, teremos essa ideia errada.

E você está namorando agora né. Feliz?
Muito!

Me conta dele.
Ele é fotógrafo de arquitetura. Ele é arquiteto e fotógrafo de arquitetura aqui em São Paulo. Ele é baiano, tem 41 anos, eu tenho 50 [sorri]. Estamos juntos há um ano.

Que delícia.
Ele é mesmo uma delícia [todo mundo na sala gargalha].

Peço pizza, peço hambúrguer, comida árabe, peço sushi. São os quatro principais deliveries da minha casa

— Paola Carosella

Falando sobre você. Quando imaginamos sobre sua vida, talvez sempre pensamos que você está frequentemente cozinhando um macarrão, um risoto. Você não cozinha todo dia, obviamente.
Todo dia não. Mas eu sempre estou envolvida com alguma coisa dentro da cozinha. Faço café da manhã, uns ovos mexidos. Durante a semana, a Leide, que trabalha em casa, prepara o almoço. E no jantar eu dou uns tapas no que sobrou, faço um macarrão, salada, sanduíche. Rola muito sanduíche. No final de semana é quando eu cozinho mais.

Pede pizza?
Peço pizza, peço hambúrguer, comida árabe, peço sushi. São os quatro principais deliveries da minha casa, mas eu cozinho muito aos finais de semana.

Você vem tendo uma vida agitadíssima desde sempre, agora mais que nunca. Administrando, por exemplo, uma rede gigante como o La Guapa. O que você faz no seu dia de folga perfeito?

Perfeito? Eu tenho uma casa muito bonita, grande, que tem vários espaços. Eu gosto muito de ficar em casa, curtir a casa. Convido pessoas pra almoçar, cozinho, colocamos música na vitrola. Quando estamos sozinhos a gente curte muito ler, assistir seriado. Mas basicamente descansar. Ficar de pijama o dia inteiro, tomar café da manhã na cama, assistir as notícias até 11h da manhã. Ver filmes. O Manuel gosta muito de visitar museus e exposições, então acompanho ele nesses lugares. Eu também gosto. Mas também chego no final de semana muito cansada. Não acho tão certo chegar tão cansada assim.

Está tentando desacelerar um pouco?
Não consigo no momento, mas talvez [pensa]….

É um plano, de repente?
Para daqui alguns anos, sim. Trabalhar um pouco menos. Eu trabalho muito. Trabalho muito!

Você disse que está em outra fase da sua vida, não buscar a perfeição de ser a MasterChef‘. Isso se traduz de alguma forma nos seus negócios?
Mas não mudou. Sempre fui a mesma. Acho que o que eu precisava pra mim era tirar o rótulo que os outros colocavam em mim. Eu sempre fiz nhoque com ragu de linguiça, carne com cebola e batata. Massa com cogumelos, mascarpone e limão. Que não são coisas sofisticadíssimas. Eu não faço cozinha contemporânea brasileira com espumas e coisas. Nunca tentei surpreender na comida através de receitas sofisticadas. O que eu fiz foi sair do lugar onde todo mundo pudesse me olhar como aquela grande chef. Mas eu acabei de sair. As pessoas continuam me olhando assim. Como se a única coisa que eu fizesse é cozinhar. Isso também é muito interessante, tentar algo novo, na minha idade. Deixar de lado aquilo que é pelo qual todo mundo te conhece e você falar: ‘mas agora eu sou outra’. É difícil para as pessoas entenderem que uma mulher da minha idade pode começar de novo

Paola Carosella usa body IDA, saia Due Panno, brincos, colar e pulseira Carlos Penna e sandália Room — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella pusa body IDA, saia Due Panno, brincos, colar e pulseira Carlos Penna e sandália Room — Foto: Thais Vandanezi

Ter se tornado famosa afetou a sua vida? Como você lida com isso?

Eu acho divertido. Tem o ônus e o bônus. Depois você tem que saber lidar com o lado ruim, que são as manchetes sensacionalistas…

Dá um pânico?

Isso é insuportável. Cada vez que eu abro o Google Notícias, vem outra vez: ‘Paola não pagou o aluguel’. Claro que eu paguei, pelo amor de Deus. Me incomoda muito. Eu tenho essa coisa da justiça. Aí eu mando uma mensagem pro jornalista e falo: ‘você está mentindo’. E ele fala: ‘mas no artigo eu explico’. Sim, mas a manchete está errada.

Mas isso é uma epidemia. O clickbait tem dominado a internet. Os sites não sobrevivem sem ele. Não é culpa dos jornalistas.

É clickbait total. É horroroso e também denota qual tipo de público está lendo. É cada vez mais mastigado e mais sensacionalista. De alguma maneira o Google está assumindo que grande parte das pessoas não estão interessadas em outras coisas que não sejam uma fofoca. E de preferência uma fofoca que envolva frustração, drama, tragédia. É sempre assim. Faliu, não pagou aluguel, frustração, revela quanto sofreu num relacionamento… Aí você lê e… Tá.

Por outro lado, você percebe que quem está do seu lado e te conhece vai sempre te apoiar. Como quando tentaram boicotar o Arturito por uma fala sua sobre o bolsonarismo.

Aquilo pra mim foi um termômetro incrível. Você vê uma coisa acontecendo na internet e outra absolutamente diferente na vida real. As pessoas falavam: ‘o restaurante da Paola está vazio, faliu’. E tinha fila na porta, reservas esgotadas. Tinha um cara que ia toda segunda-feira, quando o restaurante sempre esteve fechado. E fazia vídeo: ‘tá vendo, faliu, não tem ninguém’.

Como você lidou com essa discrepância entre a realidade e o virtual?

Assusta um pouco ver o tanto que as redes sociais impactam na vida das pessoas e o quanto ela é diferente da vida real. Eu acho uma coisa meio Black Mirror. Não sei se a gente sabe administrar e separar o quanto nos intoxica esse ódio que, de verdade, não existe. Se eu estivesse frente a frente dessas pessoas, elas não fariam isso. Acho que tem pessoas que estudam muito mais para onde vamos, onde vamos chegar, o que deveria mudar. Mas é bem assustador ver o quanto somos viciados no celular. Quanto somos impactados, como somos mal informados, cada vez mais dentro das nossas bolhas. O algoritmo só nos dá o que a gente quer ver. Pra amar mais aqueles que amamos e odiar mais quem odiamos. Não tem nada que nos conecte. E cria tantos deuses e demônios que, por mais que você leia uma notícia boa daquele que você odeia, vai continuar odiando.

Você é muito ligada no celular?

Eu tento me disciplinar. Dá umas 19h, eu desligo ele até o dia seguinte. Agora não consigo mais. Pré-estreia, tenho que gravar áudio. Mas tenho que dar exemplo. Tenho uma filha de 11. Não posso falar ‘desliga o celular’ e ficar nele até tantas.

Como é a personalidade da Francesca?

Ela é engraçadíssima. Intensa, super. Ela adora as pessoas famosas, gosta de conhecer famosos e ver famosos. Ontem eu fui num podcast e ela mandava mensagens pedindo beijos, beijos, beijos. Daí quando eu mando, ela fala: ‘que bom, agora eu posso dormir’ [risos]. Ela é uma criança de 11 anos, né? Tem um celular, mas não tem redes sociais, mas adora ver shorts do YouTube.

Ela entende que você é você? Já mostrou algum talento?

Sim, super. Quando a gente está na rua e as pessoas me param, ela adora. Fala: ‘vai lá, tira foto, sorri’ [risos]. Ela é muito, muito engraçada. Tem um timing bom. Mas muito nova pra entender tudo isso.

Paola Carosella usa body IDA, saia Due Panno e brincos, colar e pulseira Carlos Penna — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella usa body IDA, saia Due Panno e brincos, colar e pulseira Carlos Penna — Foto: Thais Vandanezi

Por fim, você é vaidosa? Vi o tanto que você arrasou nessas fotos, foi tão rápida e espontânea em tudo. No programa também? Quando você grava?
Obrigada [risos]. Sim, sou. Gosto de tratar minha pele, gosto de roupa, gosto de maquiagem, gosto de malhar. Eu gosto de cuidar de mim e me ver o melhor possível. Mas depois eu gravo e tenho vergonha de me assistir.

CRÉDITOS
Entrevista: Danilo Saraiva (@danilosaraiva)
Fotos: Thais Vandanezi (@thaisvandanezi)
Styling: Caio Sobral (@caiosobral)
Maquiagem: Vanessa Rozan (@vanessarozan)
Cabelo: Ana Sabadin (@anacarolsabadin)
Produção da capa: Mateus Phyno (@phynocomph_)
Assistência de fotografia: Renato Toso (_@renatogon) e Adrian Ikematsu (@adrianikematsu)
Assistência de styling: Deivid Moraes (@deividmoraeess)
Vídeo: Eduardo Garcia (@eduardogarda)
Design de capa: Izamara Marinho (@i.z.m.r)
Agradecimentos especiais: Zipper Galeria (@zippergaleria)

Paola Carosella usa body IDA, saia Due Panno, brincos, colar e pulseira Carlos Penna e sandália Room — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella usa body IDA, saia Due Panno, brincos, colar e pulseira Carlos Penna e sandália Room — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella usa vestido À La Garçonne e sandália Arezzo — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella usa vestido À La Garçonne e sandália Arezzo — Foto: Thais Vandanezi

Fasano de Nova York é premiado como melhor restaurante italiano da ‘Big Apple’

Carta de vinhos também foi reconhecida como uma das melhores de NY
Por Gilberto Amendola

Gero Fasano desembarcou em NY para receber o prêmio e comemorar com a equipe
Gero Fasano desembarcou em NY para receber o prêmio e comemorar com a equipe Foto: Azzi&Co

O restaurante Fasano de Nova York recebeu dois prêmios. O de melhor restaurante italiano da cidade, dado pelo Gambero Rosso, o mais reconhecido guia de comida italiana e o de melhor carta de vinhos de Nova York, do guia Tre Bicchieri.

O restaurante completou em feveiro o primeiro ano de operação.

Gero desembarcou em NY para celebrar com a equipe do restaurante. “É o prêmio do guia de referência para os italianos. É uma grande honra nesta cidade tão italiana e com tanta concorrência”, comemorou Gero.

A unidade de Nova York está localizada na 49th Street com a Park Avenue, na região Midtown em Manhattan, bem próximo da tradicional 5ª Avenida.

São Paulo, capital nacional da mortadela

Cidade quis ser capital mundial da gastronomia, mas realidade se impôs: sanduíche do Mercadão é a nossa imagem lá fora
Marcos Nogueira

Sanduíche de mortadela do Bar do Mané, no Mercadão de São Paulo
Sanduíche de mortadela do Bar do Mané, no Mercadão de São Paulo – Robson Ventura/Folhapress

Um dia, na falta de coisa melhor para fazer, a vereança de São Paulo concedeu à cidade o título de “capital mundial da gastronomia”.

Tudo bem, ainda era o século passado. São Paulo recebia caravanas de ônibus com idosos de Bauru e Araraquara para jantar nas cantinas do Bixiga depois de ver uma comédia no teatro. Isso talvez tenha impressionado nossos vereadores.

Vamos e venhamos, a megalomania paulistana já soava ridícula na época. “Nova York não precisa se dizer capital da gastronomia”, espetou Percival Maricato, representante dos donos de restaurantes, num texto publicado pela Folha em 3 de setembro de 1997.

A realidade, que não havia sido consultada, se impôs implacável. Um quarto de século mais tarde, São Paulo se consolida como capital. A capital nacional do pão com mortadela.

Isso diz um bocado sobre nós. Diz algo que não é agradável de se ouvir. Numa cidade que oferece comida congolesa, haitiana, vietnamita, persa, boliviana, russa, camaronesa, egípcia, filipina, afegã, armênia, polonesa e indonésia, a maior atração gastronômica é um sanduíche de mortadela.

É quase meio quilo de mortadela socado entre duas frágeis metades de um pão francês. Tem gente –e não e pouca gente– que encara com um sorriso no rosto a muvuca do Mercadão para degustar tal iguaria.

Sanduíche de mortadela servido no Bar do Mané, no Mercadão
Sanduíche de mortadela servido no Bar do Mané, no Mercadão keiny_andrade

Se o poder público não conseguiu emplacar a tíbia pretensão de capital gastronômica, o poder econômico trabalha com afinco para consolidar São Paulo como terra da mortadela.

O fabricante da marca mais vendida de mortadela inventou, na semana de aniversário da cidade, uma tal de mortangüela week ou coisa que o valha. Fez o maior forrobodó para ratificar, em solo paulistano, o recorde mundial de sanduíche de mortadela mais longo.

Afinal, o que seduz na mortadela do Mercadão? Não dá nem pra dizer que se trate de uma comida típica –o embutido é uma invenção da cidade de Bolonha, na Itália.

Cartaz mostra desenho de moça de cabelos pretos segurando prato com mortadela
Cartaz anuncia mortadela na cidade de Bolonha, Itália – Marcos Nogueira

Tem um documentário argentino chamado “E il Cibo Va” (“E a Comida Vai”, em italiano), que mostra a transformação da dieta dos imigrantes da Itália em Buenos Aires e Nova York.

Acostumados à escassez de comida, os colonos se deslumbram com a abundância nas Américas. Expatriada, a culinária italiana enfia o pé na jaca. Abusa do queijo, exagera no molho, refestela-se de carne.

Algo semelhante ocorreu aqui em São Paulo, e aposto que a popularidade do monstro de mortadela do Mercadão se encaixa no fenômeno.

Com o agravante de que brasileiro adora macaquear americano: dá-lhe hambúrguer com 18 carnes, pizza de nove queijos, coxinha de dois quilos e refil infinito de refrigerante. Sintomático que Anthony Bourdain, chef porém gringo, tenha se encantado com o sanduba do Mercadão.

Se você, residente ou visitante, estiver por lá, pode bater aquela vontade de provar o sanduíche de mortadela.

Então, para seu próprio bem, siga este conselho: respire, saia, atravesse a rua da Cantareira e coma esfiha numa das biroscas árabes do mercado Kinjo Yamato. Vai por mim, é mil vezes melhor.

Florence Pugh Cooks Garlic Crostini | Vogue

Actor Florence Pugh, whose father is a chef, shows off her cooking skills while making a (very) garlicky bread topped with tomatoes, feta and anchovies.

A atriz Florence Pugh, cujo pai é chef, mostra suas habilidades culinárias enquanto faz um pão (muito) com alho coberto com tomate, queijo feta e anchovas.

Featuring “Midnight”, performed by Toby Sebastian and Florence Pugh

Director: Blair Waters
Director of Photography: Cole Evelev
Editor: Daniel Poler
Senior Producer, Vogue: Jordin Rocchi
Producer On-Set, Vogue: Gabrielle Reich
Associate Director, Creative Development, Vogue: Alexandra Gurvitch
1st AC: Paola Esquivel-Oliveros
Gaffer: Gautam Kadian
Audio: Lily van Leeuwen
Food Stylist: Stevie Stewart
Audio Mix: Nick Cipriano
Associate Producer: Natalie Harris
Production Assistant: Lea Donenberg
Hair Stylist: Peter Lux
Stylist: Gabriella Karefa-Johnson
Makeup Artist: Alex Babsky
Manicurist: Dawn Sterling
Production Coordinator: Ava Kashar
Production Manager: Kit Fogarty
Line Producer: Romeeka Powell
Senior Director, Production Management: Jessica Schier
Assistant Editor: Justin Symonds
Post Production Coordinator: Jovan James
Post Production Supervisor: Nicholas Ascanio
Entertainment Director, Vogue: Sergio Kletnoy
Director of Content, Production, Vogue: Rahel Gebreyes
Senior Director, Programming, Vogue: Linda Gittleson
Executive Producer: Ruhiya Nuruddin
VP, Digital Video English, Vogue: Thespena Guatieri

Noma, considerado um dos melhores restaurante do mundo, vai fechar as portas

No topo da lista do 50 Best em 2010, 2011, 2012 e 2014, casa irá se transformar em uma espécie de laboratório de comida

Bjarke Ingels Group projetou um conjunto de edificações como a nova casa do Noma, um dos restaurantes mais aclamados do mundo, situado entre dois lagos dentro da comunidade de Christiania em Copenhague, o tempo médio de espera para uma mesa no estabelecimento comandado pelo chef René Redzepi é de três meses. Credito Rasmus Hjortshoj / ArchDaily

SÃO PAULO – O Noma, restaurante de Copenhague que esteve diversas vezes no topo da lista dos melhores do mundo, vai fechar as portas depois de duas décadas. Com suas três estrelas Michelin, a casa explora ingredientes locais e o mundo natural, servindo atualmente coração de rena grelhado sobre uma cama de pinho.

René Redzepi, tido como o chefe mais influente de sua geração e criador do Noma, disse ao The New York Times que o restaurante não terá mais serviço regular a partir do final de 2024. Em seu tempo integral, ele será um laboratório de comida, onde novos pratos e produtos serão criados para a loja virtual do Noma.

Rene Redzepi, chef e co-proprietário do restaurante Noma, conversa com seus empregados em uma cozinha de teste em seu restaurante em Copenhague, Dinamarca, em 2012.   REUTERS/Fabian Bimmer
Rene Redzepi, chef e co-proprietário do restaurante Noma, conversa com seus empregados em uma cozinha de teste em seu restaurante em Copenha Fabian Bimmer/Reuters

Desde de sua abertura, o restaurante procura sempre inovar, com equipes em busca de novas receitas, outras especializadas em fermentação, além de terem pesquisadores, jardineiros e coletores.

Toda esse jornada levou o Noma a ser considerado o melhor do mundo pela renomada lista 50 Best em 2010, 2011, 2012 e 2014.

Ainda que o restaurante continue operando em outros termos, a notícia não agrada aos fãs de gastronomia, que chegam a pagar U$ 500 –um pouco mais de R$ 2.600 na cotação atual– por pessoas pelo menu de degustação com vários pratos.

O chef de cozinha dinamarquês René Redzepi, do restaurante Noma, durante a cerimônia dos 50 melhores restaurantes do mundo, promovido pela revista "Restaurant", realizado no teatro Guildgall, em Londres, Inglaterra, em 2013. AFP PHOTO / BEN STANSALL ORG XMIT: 205
O chef de cozinha dinamarquês René Redzepi, do restaurante Noma, durante a cerimônia dos 50 melhores restaurantes do mundo, promovido pela r BEN STANSALL/France Presse
Bjarke Ingels Group projetou um conjunto de edificações como a nova casa do Noma, um dos restaurantes mais aclamados do mundo, situado entre dois lagos dentro da comunidade de Christiania em Copenhague, o tempo médio de espera para uma mesa no estabelecimento comandado pelo chef René Redzepi é de três meses. Credito Rasmus Hjortshoj / ArchDaily
Bjarke Ingels Group projetou um conjunto de edificações como a nova casa do Noma, um dos restaurantes mais aclamados do mundo, situado entre dois lagos dentro da comunidade de Christiania em Copenhague
Bjarke Ingels Group projetou um conjunto de edificações como a nova casa do Noma, um dos restaurantes mais aclamados do mundo, situado entre dois lagos dentro da comunidade de Christiania em Copenhague, o tempo médio de espera para uma mesa no estabelecimento comandado pelo chef René Redzepi é de três meses. Credito Rasmus Hjortshoj / ArchDaily
Bjarke Ingels Group projetou um conjunto de edificações como a nova casa do Noma, um dos restaurantes mais aclamados do mundo, situado entre dois lagos dentro da comunidade de Christiania em Copenhague
Bjarke Ingels Group projetou um conjunto de edificações como a nova casa do Noma, um dos restaurantes mais aclamados do mundo, situado entre dois lagos dentro da comunidade de Christiania em Copenhague, o tempo médio de espera para uma mesa no estabelecimento comandado pelo chef René Redzepi é de três meses. Credito Rasmus Hjortshoj / ArchDaily
Bjarke Ingels Group projetou um conjunto de edificações como a nova casa do Noma, um dos restaurantes mais aclamados do mundo, situado entre dois lagos dentro da comunidade de Christiania em Copenhague

Prêmio Gastronomia Preta reconhece e exalta o protagonismo de pessoas negras, pardas e indígenas no setor gastronômico

Cerimônia no Muhcab vai laurear 22 profissionais de diferentes áreas, como bartenders, chefs e garçons
Por Eduardo Vanini

Francis está à frente do bistrô Nossa Raízes, em Niterói — Foto: Divulgação/JJunior

Convidado para o almoço de lançamento do novo menu de um restaurante carioca mencionado no Guia Michelin, Breno Cruz olhou à sua volta e observou ser a única pessoa negra sentada à mesa. “Lembro-me de pensar: ‘Não tem formador de opinião preto no Rio?’. Entendi, então, que havia chegado a hora de discutir essa questão na gastronomia.”

Foi a deixa para o professor do Curso de Gastronomia da UFRJ criar o perfil @pretogourmet no Instagram, onde começou a levar o debate adiante, compartilhando histórias de personagens e empreendimentos. “Até então, não havia caído a minha ficha de como somos invisibilizados”, resume. “Quis mostrar que também somos consumidores”. Deu tão certo, que ele resolveu avançar um pouco mais e criou o Prêmio Gastronomia Preta, cuja primeira edição vai acontecer no próximo dia 28, no Museu de História e Cultura Afro-Brasileira (MUHCAB), na Gamboa, no Rio. A cerimônia vai laurear 22 profissionais pretos, pardos ou indígenas.

A ideia, ele diz, é promover uma noite de celebração a todos os profissionais que fazem girar as engrenagens do setor. Por isso, as categorias contemplam desde chefs, garçons e bartenders a gestores e fotógrafos, sem perder de vista as diferentes identidades e gêneros entre os indicados. “É uma ode à resistência que vai evidenciar também as histórias de vida dessas pessoas. Afinal, juntado as informações na minha cabeças a partir dos relatos dos participantes, percebi que há um padrão de silenciamento e barreiras que precisaram ser transpostas”, afirma Breno.

Flávia Di, indicada na categoria Melhor Bartender, coleciona um punhado dessas histórias, à frente da Bar Dreams, empresa especializada em eventos. “Como mulher preta, eu sou lida por meio de um estereótipo em que a minha presença não faz sentido no setor, gerido por homens brancos mais velhos. Mas botei na minha cabeça que serei bem sucedida mesmo assim”, afirma.

Flavia Di faz sucesso com seu bar de drinques — Foto: Divulgação
Flavia Di faz sucesso com seu bar de drinques — Foto: Divulgação

Uma meta que se concretiza a cada dia. Com a média de 16 eventos por mês, ela já entrou no radar de gente como Bruno Gagliasso e Marina Ruy Barbosa e assina a carta de drinques do Zagga Pizza Bar, em Copacabana. Conquistas celebradas sem ignorar o mundo ao redor. Observar os clientes parabenizando os funcionários homens de seus bares enquanto ignoram que ela seja a proprietária, só faz aumentar a sede de revolução. “Minha missão é ter sempre ao menos uma mulher negra fazendo drinques nos meus bares. Nos grupos de WhatsApp, elas são sempre as últimas a conseguir trabalho.”

As narrativas dos indicados também ajudam a resgatar a ancestralidade da gastronomia brasileira, como acontece no Nossas Raízes Bistrô, em Niterói, da chef Francis Tavares, indicado na categoria Melhor Restaurante. Por lá, pratos como angu à baiana, bobó de camarão e feijoada são servidos com uma boa dose de história como acompanhamento. “Muitas vezes, falamos das influências italianas ou francesas nos nossos pratos e deixamos de citar as heranças africanas. É o caso do nosso manjar, uma iguaria salgada que, por interferência das pessoas pretas, ganhou uma versão em sobremesa a partir da adição de leite de coco”, ela ilustra.

O bolinho de costela é hit no Zona Sul da Zona Norte — Foto: Divulgação/Rafaela Mendes
O bolinho de costela é hit no Zona Sul da Zona Norte — Foto: Divulgação/Rafaela Mendes

O nome do restaurante evoca a tradição que atravessa as gerações de matriarcas que formam a árvore genealógica de Francis. “Minha mãe sempre cozinhou, e aprendi muita coisa com ela”, conta. E essa herança, salienta, tem mais a ver com a forma como os pratos são preparados do que com segredos mirabolantes. Uma prova? “Muitos restaurantes têm feito a tal feijoada light. Mas aqui, além das carnes nobres, mantemos a orelha, o rabo e a garganta do porco. Afinal, as cartilagens dão sabor”, diz ela, que sabe ter acertado nas escolhas pelas reações dos clientes, pegos pelo paladar e pela memória afetiva. “O que mais escuto é: ‘Nossa! Está do jeito que a minha mãe fazia.”

Além da tradição, a seleção dos indicados valoriza também a pluralidade de culinárias exploradas pelos indicados na cidade. Candidato a Melhor Chef, Vladimir Reis tem feito sucesso no Largo do Marchado com o Dim Sum Rio, especializado nas trouxinhas asiáticas com recheios variados, feitas de farinha ou arroz, que dão nome ao restaurante. Ele aprendeu as receitas ao longo dos dois anos em que morou em Cingapura e as trouxe para cá respeitando a tradição: podem ser degustadas juntamente com uma seleção de chás naturais. “Por que toda pessoa preta tem que abrir um restaurante baiano ou africano?”, provoca. “Temos a liberdade de fazermos o que quisermos, e acho a minha presença bem significativa nesse sentido.”

Breno Cruz é o criador do prêmio Gastronomia Preta — Foto: Divulgação/Lucas Thyllia
Breno Cruz é o criador do prêmio Gastronomia Preta — Foto: Divulgação/Lucas Thyllia

Diversidade que aparece também no cardápio da hamburgueria Zona Sul da Zona Norte, em Del Castilho. Por lá, o bolinho de costela defumada já virou hit e garantiu uma indicação na categoria Melhor Criação. Mas, antes mesmo de entrar na premiação, o chef Rodrigo Rosa já vinha sentindo gosto do sucesso com os números: são vendidas cerca de 2 mil unidades por mês. “Se ficávamos escondidos dentro das cozinhas, agora estamos vindo para a frente. E fazemos isso colocando a nossa essência em tudo”, avisa Rodrigo.

Chefs mostram que diabéticos podem comer de tudo – até mesmo doces saborosos

Brownie, cheesecake, trufas de chocolate: tudo isso é preparado por confeiteiras que estudam e investem em novas receitas
por Matheus Mans, O Estado de S.Paulo

Cacau Vanilla, de Renata Baldin, faz doces e sobremesas de olho em público que não pode com açúcar Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Foi-se o tempo em que pessoas com diabetes precisavam passar vontade de comer um brownie saboroso, de experimentar uma cheesecake de frutas vermelhas ou de dar aquela escapadinha numa tarde de trabalho e adoçar a vida com uma deliciosa trufa de chocolate. Há alguns anos, o mercado de confeitaria de produtos sem açúcar começou a dar os seus primeiros passos no País e, hoje, já mostra que doce gostoso e saboroso é pra todo mundo. 

É o caso de Renata Baldin, dona da confeitaria Cacau Vanilla. Ela ainda trabalhava com nutrição, em consultório atendendo pacientes, quando percebeu que havia um número cada vez maior de pacientes que não podiam comer açúcar, como diabéticos, ou pessoas com alguma intolerância alimentar com glúten ou leite. “Tive a ideia de oferecer produtos que atendem essas diversas opções e que sejam saborosos”, conta a confeiteira ao Paladar.

Naquela época, conta a chef, os produtos diet já eram encontrados aos montes nas prateleiras de supermercados, mas tinham um problema central: não eram gostosos. Eles, afinal, tinham gosto residual de adoçante e muita gordura, deixando a experiência ruim. Foi aí que Renata começou a desenvolver produtos sem açúcar, mas trabalhados com adoçantes naturais, como trufas de chocolate e torta de caramelo com chocolate.

“Vários produtos eram muito sem graça. Quis desenvolver produtos equilibrados, saudáveis e saborosos como os convencionais”, diz Renata. ‘Hoje em dia, a gente está bem preparado para atender essa demanda. Já estamos evoluídos. A indústria já oferece adoçantes com mais qualidades, por exemplo, e que são naturais. Antes só tinha adoçante prejudicial à saúde. Hoje, já temos adoçantes incríveis. Evoluímos muito nos últimos quatro anos”.

Mercado em crescimento

Com isso, os produtos diet (sem açúcar) não são mais apenas uma prateleira no supermercado. Com confeiteiras como Renata, eles já são encontrados em versões bem servidas, com aspecto apetitoso, e que são pensados desde o começo para servir aos mais variados tipos de público. São doces e pratos livres de glúten, lactose e conservantes artificiais e que ainda levam farinhas variadas, chocolates veganos e leites vegetais.

No lugar do açúcar refinado, enquanto isso, entram ingredientes como calda de agave, mel, banana, demerara, mascavo e maçã — todos menos nocivos do que os refinados.

Uma das pioneiras desse tipo de confeitaria foi Isabela Akkari, da Isabela Akkari Café et Patisserie. Ela abriu a marca em 2014, numa época que existia uma carência muito grande no mercado nesse nicho. “Não existiam doces gostosos, com uma bela apresentação e que fossem isentos de glúten, açúcar e lactose. Doces inclusivos mesmo”, explica Isabela.

Confeiteira Isabela Akkari e alguns de seus doces e bolos sem adição de açúcar
Confeiteira Isabela Akkari e alguns de seus doces e bolos sem adição de açúcar Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Ela, então, foi estudar sobre a confeitaria tradicional, fazendo vários cursos tanto no Brasil quanto no exterior, e começou a testar adaptações dos doces para uma versão mais saudável. Acabou dando tão certo que largou seu emprego em uma multinacional para investir todo seu tempo nisso, criando doces sempre sem glúten e sem lactose, com opções veganas e sem açúcar. De acordo com ela, hoje, atendem mais de 30 mil clientes ao mês.

“Muitos clientes diabéticos consomem os nossos produtos sem medo, ainda que sempre controlando a glicemia e não exagerando. Está cada vez mais comum ver vários chefs e restaurantes criando opção para um público com restrições. É uma tendência que só tende a aumentar”, afirma. “A procura aumentou absurdamente desde quando comecei. Em 2014 as pessoas sequer tinham conhecimento sobre o que é o glúten, por exemplo”.

Mercado sem barreiras

Vale notar que, depois desse crescimento inicial de um mercado de doces para todos os tipos de públicos, chefs e confeiteiros também trabalham com produtos geralmente industrializados para que qualquer um possa experimentar — um nugget, por exemplo, pode ser preparado e comido sem grandes preocupações. É uma busca por ingredientes cada vez mais naturais, sem aditivos químicos e industrializados, para comer sem dor de cabeça.

É o caso da Fioca, da chef Regina Paula, que, além de doces saborosos, também prepara alguns salgados como pães de queijo, waffle e quiche. Ela começou tudo preparando bolos com ovos do galinheiro de seu pai e, hoje, vê um mercado cada vez mais maduro. 

Muffins festivos veganos da Fioca
Muffins festivos veganos da Fioca Foto: Regina Paula

“Desenvolvi um cardápio com bolos, doces e salgados com o conceito de saudável, ligados à natureza. Não só não ter glúten, açúcar e lactose, mas sem industrializados e com ingredientes selecionados trazidos da natureza. Hoje, o galinheiro da nossa família não dá conta, mas selecionamos todos os nossos fornecedores”, explica a chef Regina Paula.

De olho no futuro, hoje, Regina acha que seu mercado só tende a crescer ainda mais — para mais público, sabores e cardápios. “Todo mundo que é ligado na área de alimentação precisa se atentar às mudanças. Se não fizer isso, vai deixar uma boa parcela das pessoas ‘de fora’”, diz a dona da Fioca, que elaborou uma cheesecake com adoçante sem carboidrato. É puro creme de queijo com adoçante. Temos também um bolo sem adoçante e sem açúcar, mais pensado nas crianças, que vai só com frutas. É um mercado que tende a crescer. As pessoas estão mudando seu estilo de vida e isso não deve parar mais”.

Receitas

Trufa de chocolate com avelã sem açúcar

A chef e nutricionista Renata Baldin, da Cacau Vanilla, faz uma trufa saborosa sem nada de açúcar. Para isso, na composição do doce, ela usa chocolate 50% cacau zero açúcar, levando o sabor puro do chocolate sem qualquer adição exagerada de açúcar. A sugestão ainda é colocar leite vegetal e amêndoas para deixar a trufa ainda mais saborosa para todos os tipos de público — até para aqueles que não podem ou não querem comer doces.

Brownie sem açúcar

Que tal um brownie sem açúcar? Essa receita da chef Patrícia Helú, do restaurante Caracolla, sugere usar chocolate 70% sem açúcar. Além disso, coloca como sugestão usar manteiga ghee, mais saudável, e xilitol ou outro adoçante da preferência de quem está preparando a sobremesa. Fica gostoso, sem açúcar e, mesmo com todas substituições, continua com aquele sabor inconfundível do brownie que as pessoas tanto gostam.

Nuggets veganos e saudáveis

Os nuggets eram uma das maiores paixões da chef Patrícia Helú, do restaurante Caracolla, quando era pequena. Ao longo de sua carreira, a chef testou várias versões veganas e saudáveis da receita, com pedaços de tofu ou tomate verde. Porém, o nuggets ganhou um sabor e textura especiais ao utilizar ingredientes moídos. Esta receita tem uma quantidade proteica ótima para uma refeição equilibrada. Dica: vale a pena adicionar legumes raladinhos ou queijo vegano para trazer novos sabores e deixar o nuggets mais gostoso.

Bolo de frutas sem açúcar

Com vontade de comer bolo e não pode com açúcar? Uma boa opção é a receita de bolo de frutas da chef Regina Paula, da Fioca Confeitaria Saudável. Nem mesmo adoçante entra nessa receita: aqui, ela coloca frutas como maçã, banana e tâmaras para levar o doce ao bolo. No final, a receita fica fofinha, cheirosa e saborosa — matando aquela vontade de bolo.

Cheesecake sem açúcar

A chef Regina Paula, do Fioca, pensou em uma receita de cheesecake sem açúcar para que todos possam aproveitar a sobremesa. Aqui, ela usa buttermilk para dar consistência e, no lugar do açúcar, adoçante maltitol — mais natural do que o açúcar. A receita ainda leva baunilha e frutas vermelhas, deixando-a saborosa e parecida com a cheesecake original.

Padaria vegana Hera Veggie no centro de SP tem equipe só de mulheres

Dia Mundial do Veganismo: conheça a Hera Veggie, padaria com produtos de fermentação natural sem nenhum tipo de derivado animal
Gilberto Amendola

O local também busca ser espaço confortável para o público LGBT. Foto: Alex Silva. Estadão

Totalmente vegana, comandada por mulheres e voltada à defesa de causas LGBT. Assim é a padaria Hera Veggie, negócio tocado pelas sócias Célia Regina Mondoni Vieira, a Celinha, e Michele Leite. Fundado no bairro da Consolação em 2019, após Celinha começar a assar pães em casa, o espaço serve produtos de fermentação natural sem nenhum tipo de derivado animal e também tem como um dos carros-chefe o rolinho de canela.

“Não é cinnamon roll, aqui a gente faz questão do nome em português”, explica Celinha, que é vegana desde 2013. Além dela e de Michele, a Hera Veggie tem mais duas funcionárias, que formam um time 100% feminino. “Sempre senti que, em geral, existe uma maior confiabilidade tanto dos clientes quanto dos fornecedores com homens e funcionários homens, sabe? Ainda vivemos em uma sociedade bem machista. Nós tentamos, em grande parte, trabalhar também com a maioria dos fornecedores mulheres”, conta Celinha.

O entrosamento do time faz, segundo a padeira, com que o ato de fazer os pães e doces vire quase uma sessão de terapia. “A gente fica conversando sobre tudo. Ouvimos, cantamos Pablo Vittar e damos risada”, conta.

Outra preocupação do time é fazer com que a padaria seja um espaço de acolhimento para a população LGBT. “Não temos medo de defender as causas nas quais acreditamos. Temos que usar nossos privilégios para fazer algo de bom”, diz ela. Celia conta que já teve que pedir para que um cliente se retirasse do estabelecimento após falas preconceituosas. “Muita gente gosta de vir aqui por ser um local discreto, confortável. Então não posso deixar que esse tipo de coisa aconteça”.
/MARCELA PAES.

Os últimos e dolorosos dias do chef Anthony Bourdain

Livro retrata um homem que, no final da vida, estava isolado, injetando esteroides, bebendo até cair e visitando prostitutas, e que desapareceu da vida de sua filha de 11 anos
Por Kim Severson

Anthony Bourdain em "Roadrunner: A Film About Anthony Bourdain"
Anthony Bourdain em “Roadrunner: A Film About Anthony Bourdain”  Foto: Focus Features

THE NEW YORK TIMES – Depois que Anthony Bourdain tirou a própria vida em um quarto de hotel francês em 2018, seus amigos próximos, familiares e as pessoas que por décadas o ajudaram a se tornar uma estrela da TV internacional se fecharam diante da enxurrada de perguntas da mídia e permaneceram em silêncio, especialmente sobre seus últimos dias.

Esse silêncio seguiu até 2021, quando muitos de seu círculo íntimo foram entrevistados para o documentário Roadrunner: A Film About Anthony Bourdain (disponível na Apple TV) e para o livro Bourdain: The Definitive Oral Biography. As duas obras mostravam um lado mais complexo de Bourdain, que ficava cada vez mais em conflito com seu sucesso e nos últimos dois anos fez de seu relacionamento com a atriz italiana Asia Argento seu foco principal. Mas nenhum deles abordou diretamente o quão confusa sua vida se tornou nos meses que levaram à noite em que ele se enforcou aos 61 anos.

Em 11 de outubro, a Simon & Schuster publicará o que chama de primeira biografia não autorizada do escritor e documentarista de viagens. Down and Out in Paradise: The Life of Anthony Bourdain está repleto de detalhes frescos e íntimos, incluindo textos crus e angustiados dos dias anteriores à morte de Bourdain, como seus últimos contatos com Argento e Ottavia Busia-Bourdain, sua esposa por 11 anos que, quando se separaram em 2016, tornou-se sua confidente.

“Eu também odeio meus fãs. Eu odeio ser famoso. Odeio meu trabalho”, escreveu Bourdain a Busia-Bourdain em uma de suas trocas de mensagens quase diárias. “Estou sozinho e vivendo em constante incerteza.”

A partir de mais de 80 entrevistas e arquivos, textos e e-mails do telefone e do laptop de Bourdain, o jornalista Charles Leerhsen traça a metamorfose de Bourdain de um adolescente mal-humorado em um subúrbio de Nova Jersey que sua família não podia sustentar a um aventureiro na cozinha viciado em heroína que atingiu o sucesso como escritor e tornou-se um intérprete excepcionalmente talentoso do mundo através de suas viagens.

Leerhsen disse em uma entrevista que queria escrever um livro sem o brilho respeitoso do que chamou de “um produto oficial de Bourdain”. Na verdade, ele retrata um homem que no final de sua vida estava isolado, injetando esteroides, bebendo até cair e visitando prostitutas, e que desapareceu da vida de sua filha de 11 anos.

”Nós nunca tivemos essa grande história, aquela peça que dizia o que aconteceu, como o cara com o melhor emprego do mundo tirou a própria vida”, disse Leerhsen, ex-editor executivo da Sports Illustrated e da People que escreveu livros sobre Ty Cobb, Butch Cassidy e um cavalo de corrida chamado Dan Patch.

O livro já chamou a atenção da família de Bourdain, de ex-colegas de trabalho e amigos mais próximos. Seu irmão, Christopher Bourdain, enviou dois e-mails à Simon & Schuster em agosto chamando o livro de ficção ofensiva e difamatória e exigindo que não fosse lançado até que os muitos erros de Leerhsen fossem corrigidos.

“Cada coisa que ele escreve sobre relacionamentos e interações dentro de nossa família quando crianças e adultos, ele inventou ou errou totalmente”, ele disse em entrevista. Felice Javit, vice-presidente e consultora sênior da editora, respondeu a Christopher Bourdain com um e-mail: “Com todo o respeito, discordamos que o material do livro contenha informações difamatórias e manteremos nossa publicação”.

Leerhsen disse que o círculo íntimo de Anthony Bourdain e até mesmo alguns de seus intermediários internacionais e antigos cozinheiros se recusaram a falar com ele para a biografia, em parte porque a agente de longa data de Bourdain, Kim Witherspoon, disse a eles para não falarem. Witherspoon não respondeu a um pedido de entrevista para este artigo. Laurie Woolever, assistente de Bourdain, não quis falar sobre o livro.

Leerhsen disse que tal resistência do campo de Bourdain ajudou a abrir outras portas para ele. “Muitas pessoas estavam dispostas a falar comigo porque foram deixadas para trás por Tony e pelo trem de Tony”, ele disse, acrescentando que alguns foram movidos a falar por sua raiva pelo dano que Bourdain causou à filha.

Uma pessoa próxima a Bourdain que não se opôs ao livro é sua esposa, Busia-Bourdain, que controla seu patrimônio. O material mais revelador do livro vem de arquivos e mensagens retiradas do telefone e do laptop de Bourdain, ambos parte do espólio.

Leerhsen disse que obteve esse material de uma fonte confidencial, mas acrescentou que quem cuida do patrimônio “não se opôs e não prevejo nenhuma objeção”. Ele não disse se entrevistou Busia-Bourdain, mas ela é citada em partes do livro. Ela disse através de um amigo que não comentaria o assunto.

O chef Eric Ripert, um amigo próximo que encontrou Bourdain morto em seu quarto de hotel na Alsácia após um dia de filmagem para um episódio de seu programa da CNN, Parts Unknown, disse que não forneceu informações para o livro, embora o tenha lido. Ele disse que encontrou muitas imprecisões, mas ficou surpreso por conter detalhes íntimos daqueles dias na França que ele havia contado apenas a algumas pessoas.

Em sua pesquisa, Leerhsen traçou o percurso de Bourdain com viagens a Montreal, Japão e França, onde ele e sua esposa conseguiram ficar no mesmo quarto onde Bourdain morreu, no hotel boutique Le Chambard, na pequena vila de Kaysersberg.

Casamento dos pais

O livro começa com os primeiros anos de Bourdain, analisando o casamento de seus pais, seu desempenho na escola e seu relacionamento com sua primeira esposa, Nancy Putkoski, que Leerhsen disse ter sido uma fonte útil.

Bourdain se formou no ensino médio um ano antes para poder acompanhá-la no Vassar College. Suas notas lá eram péssimas, e ele era mais feliz durante os verões em que trabalhava em restaurantes em Provincetown, Massachusetts. Depois de dois anos, ele se matriculou no Culinary Institute of America, cerca de 8 Km ao norte de Vassar em Hyde Park, Nova York.

O livro traça a carreira de Bourdain nos restaurantes de Nova York e seus relacionamentos com os chefs intimidadores que o moldaram. Inclui a conhecida história de como sua mãe, Gladys Bourdain, então editora do The New York Times, entregou um artigo que ele havia escrito sobre os piores segredos de um restaurante de Manhattan para Esther B. Fein, esposa do editor da New Yorker, David Remnick, que o publicou na revista.

A história impulsionou a carreira de escritor de Anthony Bourdain, levando ao seu best-seller Cozinha Confidencial. Isso despertou o interesse da jovem empresa de mídia Zero Point Zero, que desenvolveu seu primeiro programa, A Cook’s Tour, e programas subsequentes.

O livro mergulha fundo na relação de Bourdain com Argento. Os dois estiveram envolvidos por cerca de dois anos em um relacionamento tumultuado e muito público que, escreve Leerhsen, Bourdain parecia disposto a fazer qualquer coisa para preservar.

”Eu me sinto perdidamente apaixonado por essa mulher”, ele escreveu à esposa.

Bourdain gastou centenas de milhares de dólares com Argento, fornecendo apoio financeiro para ela, seus dois filhos e às vezes seus amigos, de acordo com o livro. Ele insistiu com colegas de trabalho para que ela dirigisse e aparecesse no programa, e se tornou um defensor feroz do movimento #MeToo depois que ela disse ao repórter Ronan Farrow em 2017 que Harvey Weinstein a havia agredido sexualmente.

Leerhsen disse que trocou alguns e-mails com Argento, que, segundo ele, citou Oscar Wilde: “É sempre Judas quem escreve a biografia”.

Em um e-mail ao Times, Argento disse que não havia lido o livro, acrescentando: “Escrevi claramente para esse homem que ele não poderia publicar nada do que eu dissesse a ele”.

Leerhsen não é a primeira pessoa a tentar explicar o desconhecido: por que Bourdain se matou. Seu livro oferece uma teoria.

Dois dias antes de Bourdain morrer, ele se juntou a Ripert para uma refeição no JY’s, um restaurante com duas estrelas Michelin de propriedade de um velho amigo, o chef Jean-Yves Schillinger. Após a refeição, os três homens seguiram para Freiburg, uma cidade alemã a 48 quilômetros de distância, para continuar a noite tomando cervejas. Schillinger disse que Bourdain foi recebido como a estrela que era, e parecia seu antigo eu.

Leerhsen afirma que depois dessa viagem, Bourdain viu o custo de sua exigente busca emocional por Argento.

”Acho que no final, nos últimos dias e horas, ele percebeu o que se tornou”, disse Leerhsen. “Eu não respeito o fato dele ter se matado, mas ele percebeu e acabou entendendo que não queria ser a pessoa que se tornou.” / Tradução de Lívia Bueloni Gonçalves