Pintora morreu em sua casa, em São Paulo, poucos dias depois de ter uma grande retrospectiva de sua obra aberta no Masp João Perassolo Claudio Leal
Judith Lauand em sua formatura na Escola de Belas Artes em Araraquara, em 1950 – Acervo Judith Lauand
SÃO PAULO e SALVADOR – Poucos dias depois da abertura da maior retrospectiva de sua obra, a artista Judith Lauand morreu em sua casa, em São Paulo, nesta sexta-feira pela manhã, meses antes de completar 101 anos. A informação é de sua galerista e amiga Berenice Arvani, que já organizou diversas mostras da pioneira do movimento concreto.
Arvani afirmou que a morte não teve uma causa específica, e se deveu ao fato de a artista estar “bastante debilitada”. Conforme a idade avançava e a saúde de Lauand se deteriorava, ela foi deixando de trabalhar em seu ateliê, localizado em seu apartamento, no bairro de Pinheiros, e passou a viver reclusa.
Lauand será velada ainda nesta sexta e enterrada na manhã deste sábado. O velório será em São Paulo, mas a família prefere não divulgar o local.
Segundo a galerista, Lauand não chegou a ver pessoalmente sua retrospectiva recém-aberta no Masp, o Museu de Arte de São Paulo, mas viu um filme da mostra e ficou emocionada.
Pintora e gravadora, Lauand foi a única mulher a integrar o grupo Ruptura, de Waldemar Cordeiro, a partir dos anos 1950, o movimento disparador da arte concreta no Brasil —ela era uma presença feminina expressiva num círculo artístico de poderio masculino.
Em confronto com o abstracionismo, sua pintura passou a absorver mais e mais, a partir daquele ano, os processos matemáticos na composição de cores e planos.
A exposição no Masp, “Judith Lauand: Desvio Concreto”, perpassa seu trabalho em 124 obras, dos anos 1950 até a década de 2000. É possível acompanhar o desenvolvimento de sua arte, começando pela sua fase figurativa, logo após ter se formado na Escola de Belas Artes de Araraquara, como se pode ver no quadro “Operário”, de 1951, uma tela que mostra um trabalhador talhando seu material de trabalho.
“Um aspecto crucial de sua trajetória que foi deixado à margem é a presença de questões políticas em sua obra, como a repressão da ditadura militar no Brasil, a Guerra do Vietnã e a condição da mulher na sociedade brasileira, quando Lauand aborda temas como violência, sexualidade, submissão e liberdade feminina”, afirma Fernando Oliva, curador da exposição no Masp.
Representativas dessas derivações políticas, estão expostas as telas “Atenção”, de 1968, “Stop the War” e “Temor à Morte”, de 1969.
Nascida em Pontal, no interior de São Paulo, Lauand esteve cercada pela arte desde a primeira infância, numa casa em que se ouvia boa música e onde se liam bons livros. Num ato de mecenato, a família Lupo convidou a jovem artista para estudar na Itália, mas, com menos de 18 anos, ela não conseguiu a permissão de seu pai.
O sonho de olhar de perto os quadros dos mestres da pintura só seria realizado aos 76 anos. Em 1998, acompanhada pela irmã, Olga, e pelas sobrinhas-netas Elissa e Patrícia, Lauand entrou pela primeira vez em um avião e realizou uma viagem extensa pela Europa, visitando museus da Espanha, da Itália, da França e do Reino Unido. À noite, de tão ansiosa, perdia o sono. No Louvre, choraria diante da “Mona Lisa”, de Leonardo da Vinci.
Judith Lauand atua como monitora na 2ª Bienal de São Paulo, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em janeiro de 1954 – Acervo Judith Lauand
A artista viveu exclusivamente de sua arte. “Não escreveu críticas nem fez curadorias. Sempre viveu apenas da venda de seu trabalho”, conta Manoel Lauand, seu sobrinho.
Lauand chegou a desfazer dois noivados para se dedicar à carreira. “Ela foi a transgressora da família”, diz Elisa Lauand, sobrinha-neta de Lauand. “E nunca se casou, chegou a fazer uma cópia de um anel de noivado e ficou usando, para não ter confusão com os pais.”
Um momento importante em sua carreira foi em 1954, quando ela trabalhou como monitora da segunda Bienal de São Paulo. Na ocasião, a jovem entrou em contato com a efervescência cultural do circuito das artes plásticas à época, conhecendo as obras de Geraldo de Barros e Alexandre Wollner.
Também em 1954, Lauand realizou a primeira exposição individual da carreira, na galeria Ambiente. No ano seguinte, Waldemar Cordeiro a convidou para integrar o Ruptura. No interior do grupo, se liberta da figuração para alcançar a abstração geométrica.
Em 1956, com novo pioneirismo, Lauand participou da 1ª Exposição Nacional de Arte Concreta, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, que marcou sua aproximação com a poesia concreta de Décio Pignatari e dos irmãos Haroldo e Augusto de Campos.
“Apesar de todos os membros do grupo Ruptura serem seguidores das propostas do artista suíço Max Bill (1908-1994), cada um deles possuía suas singularidades”, afirma Celso Fioravante, crítico vinculado a exposições da artista na década de 2000.
“A diferença de Judith Lauand é que ela entrou no grupo em um segundo momento, ao lado de Fiaminghi e Nogueira Lima, e ainda era uma artista em formação, advinda da figuração, quando os membros iniciais do grupo já se mostravam como um grupo coeso, adeptos do concretismo que vigorava com força na Europa e em países da América do Sul, como Venezuela, Uruguai e Argentina”.
“Minha integração na arte concreta foi total”, disse a artista, que preservou suas primeiras escolhas, em meio a rupturas geracionais. “Não vi com bons olhos a criação do neoconcretismo. Pensei: se os concretos do Rio colocaram a necessidade de exprimir-se, de tornar expressivo o vocabulário da arte concreta, que o façam”.
Pina Contemporânea terá obras da sul-coreana Haegue Yang e da chinesa Cao Fei; Pina Luz faz incursão na arte indígena Gustavo Zeitel
Obra de Sônia Gomes, que será apresentada em mostra de 2023 na Pinacoteca – Divulgação
SÃO PAULO – A Pinacoteca de São Paulo anunciou nesta sexta-feira (11) a programação de 2023, que inclui a abertura, em 23 de janeiro, de uma nova sede, a Pina Contemporânea. O espaço passa a integrar o conjunto arquitetônico da instituição, já composto pelos edifícios da Pina Luz e Pina Estação.
Sonho antigo da administração do museu, a Pina Contemporânea vai expor obras de artistas do nosso tempo, com uma estrutura capaz de abrigar instalações e esculturas de grandes dimensões. Não à toa, a programação se inicia no mesmo dia no edifício com a mostra da sul-coreana Haegue Yang, artista de proeminência internacional.
Ela se tornou conhecida pelas instalações feitas com materiais que estimulam os sentidos do olfato e do tato, reorientando a percepção de suas próprias obras.
“Sempre nos preocupamos em unir a arte brasileira com o que acontece no mundo, já que São Paulo é uma cidade global”, diz Ana Maria Maia, curadora-chefe da Pinacoteca. “No caso da Haegue Yang, também é uma oportunidade para fazermos um aceno à comunidade coreana, tão presente em nossa metrópole.”
Nesse sentido, o edifício recebe em setembro peças da chinesa Cao Fei, que explora a relação entre arte e tecnologia, com obras sobre realidade virtual e performances em mídias digitais.
Já a Pina Luz, recebe em março a maior exposição individual do artista indígena Chico da Silva, compreendendo a produção entre 1943 e 1984. Com obras inéditas, a mostra apresenta a iconografia do artista que representa toda a cosmovisão indígena.
Denilson Baniwa, artista-jaguar, traça caminho semelhante, em mostra que abre no mesmo mês. Em suas obras, ele faz uma reflexão sobre a vivência do indígena no mundo contemporâneo.
Ainda na Pina Luz, se destaca a mostra da argentina Marta Minujín, principal artista viva do país. Com abertura marcada para julho, a exposição delimita o período em que Minujín se deteve à arte pop até os seus tão famosos happenings. No segundo semestre, também são abertas exposições de Sônia Gomes e Montez Magno.
Por fim, a Pina Estação traz em abril uma exposição da escultora, gravadora e desenhista Elisa Bracher e Regina Parra, que explora relações entre teatro, body art e pintura. “A imaginação é o eixo que une todas essas exposições”, afirma Maia. “Mas, antes de tudo, com a nova sede esperamos ter outra relação com o público, mais cotidiana, com a população do bairro em que estamos voltando várias vezes para nos visitar.”
Após 15 anos de pesquisa, a reprodução baseada na imagem do Santo Sudário é a principal atração da mostra ‘O Homem Misterioso’
Reprodução do corpo de Jesus Cristo impressiona fiéis na Espanha – Divulgação/Diocese de Salamanca
Uma exposição chamada “O Homem Misterioso” tem chamado a atenção dos visitantes da Catedral de Salamanca, Espanha. Inaugurada recentemente, a mostra tem uma reprodução hiper-realista de Jesus Cristo baseada na imagem do Santo Sudário, ou Sudário de Turim, o pano de linho que teria sido utilizado para envolver Jesus após sua crucificação.
O trabalho de representação de Jesus impressiona pelos detalhes: o corpo é feito de látex com silicone, tem cabelo humano, 1,78 m de altura e pesa 75 quilos. Criada após 15 anos, a escultura tem ainda pernas semiflexionadas e está com as mãos cruzadas na altura do púbis. O corpo apresenta ossinais da tortura sofrida pelo filho de Deus como as lacerações na cabeça, produzidas pela coroa de espinhos e as feridas nos ombros devido ao peso da cruz.
“Esse corpo reflete uma tortura mais dura do que a pintura sempre refletiu, com uma morte atroz causada não só por crucificação, mas também por flagelação”, explica o curador da exposição, Ángel Blanco. Em 2025, a mostra deve seguir para Turim, casa do Santo Sudário, e também para Roma.
Tras 15 años de estudio sobre la Sábana Santa de Turín, hoy se ha presentado una reproducción hiperrealista de cómo fue Jesús según la Sábana Santa.
Somos apenas três caras, e estamos apenas fazendo coisas”, diz Thomas Houseago, artista nascido em Leeds e baseado em Los Angeles. Ele está falando sobre si mesmo, dois de seus amigos mais próximos – que por acaso são o músico Nick Cave e o ator Brad Pitt – e sua nova exposição coletiva de arte. A bizarrice desse trio não passa despercebida para ele. “Sabemos que somos totalmente ridículos. Mas é real,” ele acrescenta, sua voz cheia de energia. “Se você vê Brad Pitt – o Brad Pitt, certo? Você sabe, tanquinho, abdômen, o que for – isso é uma criação de filme. É fantástico, adoro. Ele é um dos maiores atores de sua geração. Mas há outro humano, que eu conheço, que me permitiu respirar de uma nova maneira. E eu gostaria de pensar que fiz o mesmo por ele.” Os três homens estão reunidos no café do Museu de Arte Sara Hildén em Tampere, a segunda maior cidade da Finlândia, onde acaba de inaugurar a exposição, da qual Houseago é o pivô. O artista é representado comercialmente pela Gagosian , mas esta é sua primeira grande mostra em museu desde 2019, e engloba tanto obras escultóricas, em madeira, bronze e gesso, quanto pinturas. Ele se concentra em sua “jornada dos últimos três anos” – um período durante o qual ele sofreu um sério colapso e passou por recuperação. “Estou meio que renascendo no momento”, diz ele. “Eu não sou mais eu. Eu costumava ser eu. Eu me lembro daquele cara, mas não sou eu. E se eu for fazer meu primeiro show após a recuperação – e este é um grande momento para mim – farei isso em segurança e com meus colaboradores criativos.”
A exposição, intitulada WE , rejeita o conceito de artista solitário em favor de uma abordagem mais conectada e coletiva da arte. É a primeira vez que Pitt e Cave exibem suas obras de arte – Pitt está mostrando uma série de esculturas, enquanto Cave está exibindo uma série narrativa sombria de estatuetas de cerâmica. Explorar sua criatividade juntos forjou uma amizade extraordinária.
“Fomos jogados juntos em trauma e catástrofe”, diz Houseago, referindo-se às suas lutas compartilhadas que vão desde o vício – Houseago e Pitt com álcool, Cave com heroína nos anos 80 – até o divórcio muito divulgado de Pitt e batalha de custódia, as mortes de dois dos filhos de Cave, e a percepção de Houseago de abuso infantil. Essa série de circunstâncias cruas e brutais ajudou a libertá-los de certas inibições, e agora eles compartilham um relacionamento que pode ser descrito como um bromance.
“Posso contar uma coisa que aconteceu esta manhã?” diz Cave, definindo o cenário da casa à beira do lago em que todos estão hospedados e onde eles estavam comemorando o aniversário de sua esposa – a estilista Susie Cave – na noite anterior. “Foi assim: acordei esta manhã, fiz um café de cueca e notei que Brad estava sentado ali. Ele começou a tocar violão e cantou uma das minhas músicas para mim – “Palaces of Montezuma” – e então Thomas entrou [de pijama] e se juntou.”
Enquanto Houseago diz que eles fizeram uma interpretação “muito boa”, Pitt ri e acrescenta: “Na verdade, não fizemos! Mas fiquei mais impressionado com a elegância, cara. Thomas sai com o cabelo para cá, tenho bagagem debaixo dos olhos. E Nick aparece em shorts combinando e uma camisa de botão, um espectro de elegância.” Na abertura da exposição mais tarde naquele dia, um grito caloroso de Houseago sinaliza a chegada do trio. “Somos como uma boy band!” ele fala sobre a tripulação díspar: Cave, de 65 anos, caracteristicamente gótico, beirando o vampírico, em um terno escuro ultrafino (de sua amiga Bella Freud); Pitt, ainda rudemente bonito aos 58 anos, em um macacão e ainda assim sem esforço; e Houseago, 50, vestindo jeans com uma camisa branca de abotoar, por onde você pode ver suas tatuagens. “Esse estranho elenco de personagens entrou na minha vida em um momento incrível”, diz Houseago. “E eles amaram em mim. Brad disse: ‘Eu te amo’. Eu disse que te amo.’ Sem Nick e Brad, eu literalmente não estaria aqui.”
Pitt e Cave se conhecem há décadas; ambos foram escalados para o filme Johnny Suede , de 1991, mas Pitt e Houseago só foram reunidos há seis anos, em uma festa de Ano Novo. Houseago estava lutando com sua saúde mental e Pitt havia se separado recentemente de sua segunda esposa, Angelina Jolie. Uma separação que posteriormente se tornou um frenesi da mídia . Eles se acertaram imediatamente. “Nossa miséria mútua tornou-se cômica”, diz Pitt, que começou a frequentar o estúdio do escultor regularmente, encontrando uma saída artística. “E dessa miséria surgiu uma chama de alegria em minha vida. Sempre quis ser escultor; Sempre quis experimentar.” Pitt então apresentou Houseago a Cave, levando-o para ver o documentário de 2016 de Andrew Dominik, One More Time With Feeling .– sobre o making of de Skeleton Tree, o álbum criado após a morte de Arthur, filho adolescente de Cave.
Depois disso, diz Cave, “começamos a nos encontrar como um grupo – uma coleção estranha e diversificada de pessoas que se sentavam em volta de uma mesa nos fins de semana”. Os jantares foram acompanhados por nomes como Dominik (que recentemente dirigiu o filme Blonde , produzido pela produtora Plan B de Pitt, e com trilha sonora de Cave e seu colaborador de longa data Warren Ellis), o diretor Spike Jonze e Flea do Red Hot Chili Peppers . “Sair e conversar com as pessoas livremente sobre as coisas, isso era algo novo para mim”, continua Cave. “Normalmente, eu apenas trabalho e faço minhas coisas, e tenho meus amigos e todo esse tipo de coisa. Mas tínhamos permissão para falar sobre qualquer coisa. E, para mim, essa foi uma situação muito libertadora para se estar.”
A camaradagem fácil do trio se desenrola ao longo da sessão de fotos, que tem como pano de fundo o trabalho de gesso, cânhamo e vergalhões de Houseago, Cast Studio (palco, cadeiras, cama, montículo, caverna, banho, túmulo) (2018). Os três homens conversam. Eles brincam por aí. Houseago tira os sapatos e posa na cama de gesso. Ele começa a cantar. É mais do que um pouco surreal. No momento em que a filmagem começa, Houseago está cantando “The Sound of Music” e Pitt está dançando, fazendo piruetas em direção à câmera.
O conceito de “nós” do trio transmite uma “mensagem simples, mas forte de amor, esperança, amizade e perdão, celebrando a criatividade sobre as forças destrutivas”, diz a curadora-chefe de Sara Hildén, Sarianne Soikkonen. A nova abertura é, diz ela, “uma exposição importante, onde Thomas Houseago está se reinventando como um escultor que agora também mostra pinturas excepcionalmente fortes”.
De muitas maneiras, apesar do furor da imprensa em grande parte centrado na primeira incursão de Pitt na arte, este é o momento de Houseago, com Pitt e Cave desempenhando papéis coadjuvantes. Seu passeio pela galeria vai de esculturas imponentes fundidas em bronze a maquetes de gesso para espaços monumentais, ao lado de amálgamas de objetos encontrados na praia reunidos com seus filhos, Bea, 16, e Abe, 13. figuras traz um novo olhar sobre a natureza e seu poder de cura em suas pinturas recentes”, diz Ottilie Windsor, artista de ligação de Houseago na Gagosian.
Foi uma conversa telefônica com Cave que provou ser o catalisador para o novo corpo de pinturas de Houseago – que flutua dramaticamente entre terríveis visões de pesadelo para cenas mais “cósmicas”. “Quando Thomas disse, ‘Eu não consigo nem pegar uma porra de um pincel’, ou qualquer outra coisa, nós fizemos um pequeno acordo”, diz o cantor australiano que vive no Reino Unido. “Eu disse: ‘Tudo bem, estou tendo dificuldade em escrever músicas. Vou escrever uma música para você se você me pintar um quadro. E isso meio que acendeu algo para mim.” Quando Cave enviou por e-mail o poema que se tornaria a música “White Elephant”, Houseago foi estimulado a entrar em ação. “Naquela época eu não fazia arte. Eu estava feito. Eu fazia corridas e trilhas em Malibu, tentando me conectar com a natureza”, lembra. “Havia uma flor que eu via e pensei: ‘Vou pintar isso para Nick’”.
A troca criativa foi um dos vários fatores que levaram Cave à cerâmica, e em Tampere ele mostra uma série de 17 estatuetas, produzidas em um estúdio no sul de Londres com a ajuda do escultor britânico Corin Johnson, e inspiradas nos ornamentos vitorianos de Staffordshire flatback que ele coleciona. “Eu tenho centenas de coisas”, diz Cave sobre as formas um tanto kitsch que ele subverteu em The Devil – A Life. O que começou como um desejo de criar uma única pequena figura do diabo como veículo para um intenso esmalte vermelho “tornou-se uma jornada em direção a algum tipo de absolvição de uma série de eventos devastadores. Isso [as obras de cerâmica] – e de fato, todas as músicas que escrevo – são sobre a ideia de perdão, a ideia de que há uma virtude moral na beleza. É uma espécie de equilíbrio de nossos pecados.” Como sua música, o resultado é bonito e comovente.
O trabalho de Pitt parece mais difícil de colocar. Seu amor de confinamento pela cerâmica foi amplamente divulgado – e um conjunto de seus castiçais de porcelana artesanais são mostrados em meio às esculturas de Houseago. Suas obras escultóricas de maior escala são mais perturbadoras: um painel de gesso em relevo impresso com seu próprio corpo para representar um tiroteio fílmico (mas também, ele sugere, “um conflito interno”) e uma série de estruturas de silicone em forma de casa simplificadas que têm cada foi baleado – intitulado Self-inflicted Gunshot Wound to the House– traçar paralelos sobre a destruição de sua vida doméstica que são muito fáceis de ver. “É tudo uma questão de autorreflexão”, explica ele. “Eu estava olhando para minha própria vida e realmente me concentrando em possuir minhas próprias coisas: onde fui cúmplice de falhas em meus relacionamentos, onde errei. Para mim, nasceu da propriedade do que eu chamo de um inventário radical do eu, sendo realmente brutalmente honesto comigo e levando em consideração aqueles que eu possa ter machucado.”
Comendo um sanduíche mais tarde no café, Pitt parece aliviado por ter divulgado isso. Ele é surpreendentemente aberto para um homem cujo cada movimento – desde seu anel de sinete até sua sobriedade e nova linha de cuidados com a pele – está sujeito a escrutínio. “É cansativo ser qualquer coisa, menos quem você é”, diz ele. “Você tem que entender, pelo menos onde eu cresci, nós somos mais o personagem Clint Eastwood; você guarda tudo dentro de você, você é capaz, você pode lidar com qualquer coisa, você não mostra fraqueza. Eu vejo isso no meu pai e nas gerações mais velhas de atores e, cara, é exaustivo. À medida que envelheço, encontro tanto conforto em amizades onde você pode ser [completamente você mesmo], e quero que isso se estenda no mundo exterior. O que as pessoas acham disso: Estou bem. Eu me sinto seguro aqui porque há um foco em nossas lutas como seres humanos, porque é cheio de perigos. E alegria também.”
Como falar abertamente sobre luto e trauma, mas não ser definido por eles, é assunto de muita discussão. “Descobri que tenho que andar com a dor que sinto e tenho que andar com a alegria, a beleza”, diz Pitt.
Cave acrescenta: “Falando sobre coisas como trauma, sou muito mais cauteloso [do que Houseago]. É muito mais controlado.” Ele se lembra de uma época em que ele e Houseago estavam modelando algumas roupas para a marca de moda de Susie Cave, The Vampire’s Wife . “Estávamos todos sentados lá tomando xampu e, 30 segundos depois de conversar com [o cabeleireiro], Thomas revelou os eventos mais incompreensíveis e traumáticos”, diz Cave. Mesmo assim, nem o novo livro de Cave, Faith, Hope and Carnage , nem seu blog de perguntas e respostas, The Red Hand Files, evite assuntos difíceis. Ambos oferecem uma exploração surpreendente de suas dores. “Essas coisas foram tiradas de mim por pessoas que se identificam com a minha situação; você tem que responder a isso com o coração cheio. Há um certo período de perda em que você fica aterrorizado e tudo desmorona; sua vida é destruída. E eu sei que há um caminho através disso. Eu sei porque eu já passei por isso e parece apenas um dever falar com as pessoas em algum nível do outro lado do abismo.”
Tanto Pitt quanto Cave expressam sua intenção de continuar suas jornadas como artistas visuais. Cave já está fazendo uma nova série de cerâmicas. Para Pitt, a prática parece centrada na arte como terapia: “Sinto que há um chamado maior, uma conexão novamente. Sendo tátil, há alguma liberação nisso…” Houseago, enquanto isso, está terminando animadamente uma comissão ao ar livre em grande escala em Los Angeles, e também criou uma série de novas esculturas para o Centro Pompidou-Metz, que será exibida ao lado de pinturas. a partir de 22 de outubro. Todos incorporam seu novo espírito de esperança. “Está completamente claro para mim que minha missão é cantar a beleza do mundo”, conclui.
Thomas Houseago – WE With Brad Pitt & Nick Cave, está em exibição no Sara Hildén Art Museum, até 15 de janeiro de 2023. Victoria Woodcock e Maureen M Evans viajaram como convidados da Cidade de Tampere (tampere.fi)
A fotógrafa amadora Patrícia Cançado ficou com o primeiro lugar na categoria Pessoas Daniel Silveira, O Estado de S.Paulo
Imagem de Patrícia Cançado ficou em primeiro lugar na categoria Pessoas. Foto: Patrícia Cançado/IPP Awards
A fotógrafa amadora Patrícia Cançado foi uma das vencedoras do iPhone Photography Awards. O IPP Awards é uma premiação que avalia imagens feitas usando um iPhone e seleciona as melhores em categorias como Melhor Foto, Fotógrafo do ano, Abstrato, Animais, Arquitetura, entre outras. Patrícia ficou em primeiro lugar na categoria Pessoas. “É o que eu gosto mesmo, de gente”, afirma.
Ela conta que a imagem surgiu por acaso durante umas férias que passou na Bahia. “Vi duas mulheres andando com o mesmo maiô, uma com um cabelo vermelho, lindas e fui pedir para fotografá-las”, explica. Ao chegar lá, ela perguntou se podia fazer um registro das duas, que disseram que tinham mais outras duas mulheres da mesma família com elas, também usando o mesmo modelo de roupa de banho. Ela, então, resolveu registrar as quatro, que são gaúchas e estavam também em férias na Bahia.
“Achei super poderoso quatro mulheres viajando sozinha, na Praia do Espelho, com uma relação legal com seus corpos, se achando bonitas”, diz Patrícia. “A história dessas mulheres com seus corpos foi o que me chamou atenção. Eu não queria um tom de piada, de olhar aquilo como exótico, queria trazer delicadeza”, continua a fotógrafa, que também é jornalista.
Ela conta que, depois de publicar em sua rede social, recebeu mensagens de pessoas elogiando o registro e outros incentivando que ela inscrevesse a imagem em um concurso. “Muitas mulheres me escreveram dizendo como aquela foto tinha sido forte para elas”, lembra.
A mesma imagem foi selecionada para participar do Summer Open 2022, um concurso fotográfico da revista Lens Culture. Uma curadoria vai escolher as 20 melhores para uma exposição em Londres. A foto de Patrícia está concorrendo.
Exposição traz 80 imagens do fotógrafo Paolo di Paolo, que acompanhou o cineasta e escritor italiano numa viagem pelo litoral do país em 1956 Por Nelson Gobbi
‘La prima volta al mare’, foto de Paolo di Paolo feita em Rimini, em 1959, em viagem com Pasolini — Foto: Archivio Fotografico Paolo Di Paolo
Em 1959, a Itália vivia um momento de transição, tentando superar os traumas da Segunda Guerra Mundial e, ao mesmo tempo, colhendo os frutos do milagre econômico que duraria até 1963, após anos de privações. Para registrar aquele que prometia ser o primeiro grande verão do pós-guerra, a revista Successo incumbiu o fotógrafo Paolo Di Paolo e o cineasta, escritor e dramaturgo Pier Paolo Pasolini de cruzarem a costa do país de carro, do Mar Tirreno ao Adriático, durante três meses.
As fotos da viagem são a base da exposição “Por uma longa estrada de areia”, inaugurada ontem no CCBB do Rio, após passar por Lisboa e Copenhague, com 80 registros de Di Paolo. Produzida pelo Instituto Italiano de Cultura do Rio em homenagem ao centenário de Pasolini (1922-1975), a exposição será acompanhada de uma mostra retrospectiva com filmes como “Desajuste social” (1961), “Mamma Roma” (1962) e “Rei Édipo” (1967). Também com exibições no próprio instituto, o ciclo “O cinema segundo Pasolini” vai promover a estreia nacional de “O jovem corsário” (2022), de Emilio Marrese, que reconstitui a juventude do cineasta em Bolonha. Outra mostra em parceria com a instituição, “Caro Pier Paolo” será realizada na Cinemateca do MAM, a partir do dia 29.
Diretora do Instituto Italiano de Cultura do Rio e curadora da mostra cinematográfica, Livia Raponi acredita que, em seu centenário, Pasolini seja mais bem compreendido como um artista visionário e multifacetado.
— Ele foi assassinado há quase 50 anos e ainda assim se mantém relevante e inspirador, de forma que outros intelectuais italianos não conseguiram — destaca Livia. — Ele não tinha medo de se despir por inteiro, de tratar de temas ainda incômodos, como a sexualidade ou questões sociais. E fazia isso transitando por diferentes meios, de forma muito contemporânea.
Além da homenagem a Pasolini, a mostra “Por uma longa estrada de areia” joga luz sobre a produção de Paolo Di Paolo, que ficou esquecida durante décadas. Após a mudança do mercado editorial italiano, com o fim de publicações como a revista ilustrada Il Mondo e o predomínio das imagens em cores, o fotógrafo abandonou a carreira em 1968 e virou historiador militar.
Sua trajetória foi descoberta por acaso, por sua filha, Silvia, há 20 anos. Procurando um par de esquis, ela encontrou em casa um arquivo com fotos e cerca de 250 mil negativos. Só quando perguntou aos pais de quem eram as imagens que soube da viagem com Pasolini e que ele havia fotografado algumas das maiores estrelas de seu tempo, como Marcello Mastroianni e Anna Magnani.
Após a descoberta, Silvia criou a Fundação Archivio Di Paolo e passou a fazer a curadoria de exposições com a obra do pai, como a que chega ao CCBB.
— Após parar de fotografar e se casar com minha mãe, que foi sua secretária, meu pai mudou-se de Roma para o interior e nunca mais falou no assunto. Quando encontrei as fotos, ele disse apenas que eram “coisas dele”, com naturalidade, como se não fossem parte da história italiana — conta Silvia Di Paolo, que veio ao Rio para a abertura da mostra. — O arquivo é imenso, até hoje não sei ao certo quantas fotografias são no total da viagem com Pasolini.
Di Paolo vive atualmente em Roma, aos 97 anos. No Festival de Roma do ano passado, foi lançado o documentário “The treasure of his youth: The photographs of Paolo Di Paolo”, do fotógrafo de moda e cineasta americano Bruce Weber. O longa teve origem em 2017, quando Weber comprou registros do italiano num antiquário e quis saber quem era aquele fotógrafo desconhecido, ficando obcecado com a história do acervo escondido por mais de 50 anos.
— Ele se diverte acompanhando as menções a seu nome no Google, e brinca dizendo que é a Greta Garbo da fotografia, que também preferiu deixar a carreira no auge — diz Silvia, comentando as diferentes visões do pai e de Pasolini durante a viagem. — Meu pai queria parar e fotografar tudo, e Pasolini seguia mais calado, reflexivo. Ele estava buscando os seus fantasmas literários naquelas praias, enquanto meu pai queria registrar aquele desejo de mudança das pessoas.
Onde: CCBB. Rua Primeiro de Março 66, Centro (3808-2020). Quando: Seg e de qua a sab, das 9h às 21h; dom, das 9h às 20h. Até 2/8. Retrospectiva de 2 a 10/7, às 18h. Quanto: Grátis, com ingressos na bilheteria do CCBB ou pelo site Eventim. Classificação: Livre.
Artistas da dança russos falam sobre como a guerra pode impactar um dos grandes destaques do país Por Alex Marshall
Smirnova agora dança no Dutch National Ballet, em Amsterdã. Foto: Melissa Schriek/The New York Times
THE NEW YORK TIMES – LIFE/STYLE – Poucos dias depois da invasão da Ucrânia, Olga Smirnova, uma das mais importantes bailarinas da Rússia, postou uma declaração emocionada no aplicativo de mensagens Telegram: “Sou contra a guerra, do fundo da alma. Nunca pensei que teria vergonha da Rússia, mas agora sinto que foi traçada uma linha que divide o antes e o depois.”
Isso efetivamente é verdade para Smirnova, de 30 anos. À medida que a guerra piorava e a dissidência era esmagada na Rússia, a bailarina, que estava em Dubai se recuperando de uma lesão no joelho, percebeu que não poderia mais voltar para casa. “Se eu voltasse para a Rússia, teria de mudar completamente minha opinião, meus sentimentos em relação à guerra”, declarou em entrevista recente em Amsterdã, acrescentando que voltar seria “francamente perigoso”.
Assim, desligou-se do Bolshoi, famosa companhia cujo nome é sinônimo de balé, com seus luxuosos teatros a poucos quarteirões do Kremlin, cortou todos os laços e se mudou para Amsterdã, onde entrou para o Dutch National Ballet.
A bailarina Olga Smirnova pediu demissão do Bolshoi após se colocar contra a invasão russa à Ucrânia. Foto: Melissa Schriek/The New York Times
A partida de Smirnova é um golpe no orgulho de uma nação onde, desde o tempo dos czares, o balé é considerado tesouro nacional, principal produto de exportação cultural e ferramenta de soft power. Sua atitude é um dos símbolos mais visíveis de como a invasão russa da Ucrânia desestabilizou o balé, à medida que importantes artistas evitam as famosas companhias de dança da Rússia, teatros ocidentais cancelam apresentações do Bolshoi e do Mariinsky, e a dança na Rússia, aberta para o mundo desde o colapso da União Soviética, parece estar se fechando novamente.
“Estamos voltando à Guerra Fria”, afirmou Ted Brandsen, diretor artístico do Dutch National Ballet e novo chefe de Smirnova, invocando uma época famosa pela deserção de astros e estrelas soviéticos da dança, incluindo Rudolf Nureyev, Mikhail Baryshnikov e Natalia Makarova. Brandsen contou que bailarinos russos o contatavam diariamente, dizendo: “Não consigo ser eu mesmo como artista neste país.”
Simon Morrison, professor de Princeton e historiador do Bolshoi, observou que nos últimos anos o Bolshoi se tornara “mais liberal, internacional, cosmopolita, mais experimental”, tendo chegado a encenar um balé sobre Nureyev que mencionava sua homossexualidade. Agora, segundo ele, parecia haver “um empobrecimento do repertório”.
O balé é um tipo de passatempo nacional na Rússia – uma joia cultural, mas também o foco de intensa emoção e críticas atentas de um público experiente, embora seja menos popular entre os jovens obcecados pela cultura pop. “O balé é adorado pelo povo russo como em nenhum outro lugar no mundo”, disse David Hallberg, que em 2011 se tornou o primeiro bailarino americano a integrar o elenco principal do Bolshoi, meio século depois que Nureyev se tornou o primeiro grande bailarino soviético a desertar para o Ocidente. “Smirnova foi muito corajosa ao deixar o Bolshoi, já que não estava só deixando a companhia, mas uma instituição que está em seu DNA”, acrescentou ele.
Smirnova não é a única artista de elite a deixar a Rússia. No primeiro dia da guerra, Alexei Ratmansky, importante coreógrafo e ex-diretor artístico do Bolshoi, estava em Moscou ensaiando um novo projeto. Imediatamente, pegou um voo de volta para Nova York, onde é artista residente do American Ballet Theater, e comentou que é pouco provável que retorne à Rússia “se Putin ainda for o presidente”.
Laurent Hilaire, o diretor francês do Balé Stanislávski e Niemiróvitch-Dântchenko, de Moscou, renunciou poucos dias depois do início da guerra. E vários outros dançarinos, em sua maioria estrangeiros, também partiram, incluindo Xander Parish, britânico; Jacopo Tissi, italiano; e David Motta Soares e Victor Caixeta, brasileiros. Caixeta, solista em ascensão, agora é parceiro de Smirnova em Amsterdã.
Desde o início da invasão russa, muitos governos europeus determinaram que suas instituições culturais, incluindo as companhias de dança, não trabalhassem com órgãos do Estado russo, como o Mariinsky e o Bolshoi. O Dutch National Ballet cancelou uma visita do Mariinsky, desistiu de um festival de balé em São Petersburgo e parou de colaborar com o Concurso Internacional de Balé de Moscou, programado para junho no Bolshoi.
Obras de diversos coreógrafos ocidentais importantes podem desaparecer dos palcos russos, já que os detentores dos direitos destas suspenderam a colaboração com companhias russas. Nicole Cornell, diretora do George Balanchine Trust, que detém os direitos da obra do coreógrafo, escreveu em um e-mail que “foram pausadas todas as conversas sobre licenciamentos futuros” com companhias russas. E Jean-Christophe Maillot, coreógrafo francês e diretor do Les Ballets de Monte Carlo, informou por e-mail que pediu ao Bolshoi que suspendesse as apresentações de seu balé A Megera Domada, mas que o diretor-geral, Vladimir Urin, recusara: “Essas condições obviamente dificultam a retomada da colaboração com o Bolshoi.”
Representantes do Bolshoi, do Mariinsky e da Academia de Balé Vaganova recusaram os pedidos de entrevista para este artigo ou não responderam a eles.
Em Amsterdã, Smirnova declarou que seu futuro é “nebuloso” e que não quer arriscar um palpite sobre o futuro do balé russo. Mas comentou que haverá “muito menos convites para coreógrafos internacionais e muito menos montagens de obras internacionais”. Isso significa que os bailarinos russos terão menos oportunidades de desenvolvimento, ainda que “a coleção dourada de obras do Bolshoi” – seus balés clássicos – permaneça.
Smirnova e Caixeta, seu novo parceiro de cena, ensaiam breve dueto romântico da peça ‘Raymonda’. Foto: Melissa Schriek/The New York Times
A família de Smirnova é um exemplo da crescente lacuna entre a Rússia e o Ocidente. Ela só contou à mãe que se mudara para Amsterdã depois de assinar o contrato. “Para ela, o Teatro Bolshoi é o ápice. Minha mãe não entende a razão da mudança”, disse Smirnova.
Houve relativamente pouca cobertura da partida de Smirnova na mídia estatal russa, mas é possível sentir o peso emocional do evento nos comentários dos fóruns russos sobre balé: um usuário do fórum Passion Ballet, por exemplo, escreveu a Smirnova em março: “Já vai tarde; nunca foi interessante ver esse bacalhau congelado dançar”.
Segundo Hallberg, embora as implicações para o Bolshoi e para o Mariinsky ainda estejam em curso, “é triste pensar que companhias tão importantes não vão poder compartilhar sua beleza e seu domínio do palco com o mundo”.
E, no entanto, de acordo com a maioria dos observadores, o Bolshoi e o Mariinsky sobreviverão a este momento. Morrison observou que o Bolshoi já fora usado para fins políticos, pelos czares da Rússia e depois pela União Soviética, e que seu teatro sobreviveu a incêndios (mais de um) e à transformação em salão de convenções políticas. “Ele vai viver mais do que esses políticos.”
Smirnova concorda. “Os regimes mudam, e o Bolshoi fica”, ela disse no fim da entrevista de uma hora de duração, antes de dar um beijo rápido no marido e descer para ensaiar Raymonda com seu novo parceiro, Caixeta.
Smirnova e Caixeta ensaiaram um breve dueto romântico, durante o qual a bailarina parou para aperfeiçoar todos os mínimos detalhes – uma perna estendida atrás da cabeça, um momento em que pegou as mãos de Caixeta -, embora tudo já parecesse perfeito.
Foto: JAMES HILL
Ao ouvir as instruções de Larissa Lezhnina, mestra de balé que fala russo e inglês, Smirnova demonstrava extrema concentração. Depois abriu um largo sorriso e deu uma risadinha quando Lezhnina fez uma piada sobre a posição de seu traseiro durante uma sequência. No meio de um estúdio de balé, pela primeira vez naquele dia, Smirnova parecia se sentir em casa.
A revista literária Olympio chega ao terceiro número com esta pergunta e tem como fio narrativo a distopia e a utopia Maria Fernanda Rodrigues, O Estado de S. Paulo
‘Phosphoros’, obra de Elida Tessler a partir dos livros citados em ‘Fahrenheit 451’ e incluída na revista ‘Olympio’ Foto: Elida Tessler
O livro da semana é uma revista. Uma revista que pode ser lida como um livro, que fala de literatura e de suas conexões com outras artes e outras áreas, como a psicanálise, e que fala deste mundo e de um outro, melhor, que devemos sonhar.
Idealizada por Maria Esther Maciel, José Eduardo Gonçalves, Julio Abreu e Maurício Meirelles, a Olympio, que chega ao terceiro número, tem como fio temático a distopia e a utopia. “Diante da terra devastada, é de se perguntar: o que pode a arte, frente a brutalidade da realidade?”, lemos assim que abrimos a publicação. Outras duas ideias pinçadas deste editorial: “Ter utopia é acreditar que dá para fazer” e “mais do que nunca, a arte precisa exercer o seu caráter de insubmissão”.
É simbólico que Maria Valéria Rezende esteja na primeira seção da Olympio, chamada Retrato. São três textos sobre a escritora e freira missionária, autora de obras premiadas como Quarenta Dias e Outros Cantos, que retratam personagens invisíveis da história, do País, e que já foram temas desta coluna.
O primeiro dos textos é um perfil escrito por Marília Arnaud. O segundo é um texto de Frei Betto, em que ele relembra uma trajetória comum entre os dois, na fé e na militância, e conta um episódio de 1969, quando a polícia ocupou o apartamento dos dominicanos em São Paulo e Maria Valéria bateu lá desavisada. No último, Marcelino Freire relembra o dia em que ele a pediu em casamento, e ela enfartou – mas não por isso.
Li com curiosidade uma história rocambolesca apresentada pelo jornalista Carlos Marcelo sobre um desconhecido livro (O Escutador), de um desconhecido autor (Ademir Lins), publicado em 1958 pela mineira Montanhesa e nunca reeditado. Há uma questão de autoria em debate, e a introdução de Marcelo é seguida dos primeiros capítulos o livro (dá vontade de ler mais), de uma nota da então editora, Virgínia Lemos, e outro texto em que ela comenta sobre o livro, o autor e o trabalho editorial nos anos 1950.
Há ainda uma bela entrevista-depoimento de Milton Hatoum sobre, entre outras coisas, sua relação com a literatura e sua “crença inabalável” na ficção e na imaginação. “A poesia vai no salvar”, está no título. “Ler é também resistir”, diz o autor e colunista do Estadão.
Há poesia por todos os lados da revista – de autores brasileiros e estrangeiros. E textos de, entre outros, Paloma Vidal, Laura Erber, Stephanie Borges, Mónica Ojeda. Há ensaio, ficção, inéditos, arte, fotos e até uma carta de Glauber Rocha, de 1980, sobre a preservação de sua obra – parte dela estava na Cinemateca, que pegou fogo. Há, sobretudo, a busca de um caminho, apesar das cinzas.
Os visitantes observam uma criação de arte de rua do artista francês Jo Di Bona em exibição durante a segunda edição do “Le Colors Festival” em Paris, França. Foto de Emmanuel DUNAND/AFP