Paola Carosella abraça o novo: ‘Sou uma mulher que é muito mais do que uma cozinheira’

Por Danilo Saraiva (@danilosaraiva)

Capa Paola Carosella – Maio/2023 – Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella está de volta à TV em um programa com aquilo que a fez ser conhecida no Brasil todo: a gastronomia. Porém, quem pensa em ver a carismática empresária e apresentadora argentina, naturalizada brasileira, em mais aventuras culinárias ou como jurada de corajosos cozinheiros, amadores ou não, está pelo menos parcialmente enganado. Alma de Cozinheira – sua nova atração, que é exibida toda quarta-feira, 21h30, na GNT – conta com boa comida, mas não é isso que dá liga ao projeto.

“Não sou mais a jurada, não estou ensinando a receita, eu estou convidando pessoas incríveis para comer a comida que fiz e conversar sobre diversos assuntos”, detalha. Após seis anos e meio atuando como uma das integrantes da banca do MasterChef, da Band, ela conta que precisava não só de mais leveza, como também se libertar da alcunha de “chef de cozinha do restaurante sério que quer ganhar prêmios e competir”.

Paola Carosella usa vestido e casaco Neriage, brincos Carlos Penna e sandália Arezzo — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella usa vestido e casaco Neriage, brincos Carlos Penna e sandália Arezzo — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella usa vestido e casaco Neriage e brincos Carlos Penna  — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella usa vestido e casaco Neriage e brincos Carlos Penna — Foto: Thais Vandanezi

Convidada pela Quem para ser a capa digital de maio, Paola posou para as lentes de Thaís Vandanezi na icônica Zipper Galeria, em São Paulo, em meio à exposição Orquestra Assinfônica Fotossintética, da artista plástica Camille Kachani. Para o ensaio, fez poucas exigências: nenhum Photoshop nas fotos, café e água à disposição.

Durante quase cinco horas de trabalho, se divertiu, nos divertiu e fascinou com a inteligência, simpatia e elegância ímpares que tanto nos fizeram admirá-la desde que ela chegou à TV em 2014 – ou pelo menos desde 2003, no caso dos amantes da alta gastronomia, quando tomou comando da carreira no Julia Cocina, seu primeiro restaurante.

Além de apresentadora contratada da Globo, Paola hoje é empresária bem-sucedida, sócia do restaurante Arturito, em São Paulo, e também da rede de cafés La Guapa, especializada em empanadas latinoamericanas.

Nesta entrevista, a cozinheira, como gosta de ser chamada, fala sobre as origens na Argentina e como aprendeu e se apaixonou pela gastronomia ao tentar preencher o tempo solitária na infância e adolescência. Discorre sobre machismo no ramo e também na vida pessoal (“Demorei muito tempo para entender que eu estava num relacionamento abusivo”). Explica a difícil decisão de falar sobre alimentação saudável num país cuja história política tem negligenciado o direito das pessoas de ter comida de qualidade na mesa (“Quando eu milito de alguma maneira – e sou esculachada -, estou militando por acesso à comida de verdade”).

Por fim, detalha as dificuldades do ramo de restaurantes; a paixão pela filha, Francesca; como tem curtido o relacionamento com o fotógrafo Manuel Sá; e também o direito absoluto de tomar novos rumos na carreira aos 50 anos de idade, 32 como chef – ou cozinheira – profissional. “É difícil para as pessoas entenderem que uma mulher da minha idade pode começar de novo.”

Paola Carosella usa vestido Due Panno, brincos Carolina Neves e sandália Schutz — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella usa vestido Due Panno, brincos Carolina Neves e sandália Schutz — Foto: Thais Vandanezi

Pra começar, ‘Alma de Cozinheira’. Que nome bonito. Lembro que no MasterChef você sempre fazia questão de ser chamada de cozinheira e também se dirigia assim aos competidores. Nunca era chef de cozinha.

Eu sempre fiz questão de ser chamada de cozinheira mesmo quando eu era chef de cozinha. Todo mundo é cozinheiro e pode estar chefiando uma cozinha. Afinal, chef é um cargo. Mas sinto que existe uma cultura em que ser chef de cozinha é melhor do que ser cozinheiro. No MasterChef, me dava um pouco de medo associar meu nome a isso, o que era difícil, porque eu trabalhava num programa chamado ‘MasterCHEF’ (dá ênfase, aos risos). Era óbvio que iria acontecer. Mas eu não queria criar grandes expectativas nas pessoas, com elas imaginando que eu fazia uma comida muito sofisticada, complexa. Minha comida sempre foi completamente o oposto disso. É muito italianona, caseira, gostosa, suculenta, mas não refinada. Não chef.

É o que seu canal no YouTube realmente nos mostrou depois do programa. Já fiz muito o seu omelete cheio de manteiga (risos). Mas além da simplicidade das receitas acessíveis, é bonito como você fala com amor sobre a comida, os ingredientes, o manuseio deles, a química por trás. Como se deu esse interesse romântico pela gastronomia?

Eu cresci numa família de imigrantes italianas com duas avós muito cozinheiras, donas de casa. Tinham sido camponesas na Itália. Na Argentina, tínhamos galinhas, coelhos, uma cabra no quintal pra tirar leite, fazer queijo. Minha avó matava galinhas, colhia tomates, figo, fazia doces, vinho… Na adolescência, eu gostava de ver programas de culinaristas e de cozinhar, para preencher o tempo, pra me divertir e pra me acolher. Aos 18 anos, escolhi ser cozinheira. Dei uns rolês pra conseguir um estágio. Não tinha universidade, curso, nada disso.

Então, primeiro, eu me encantei com como cozinhar ocupava meu tempo. Depois, com a beleza, o processo… A galinha nasce, cresce, morre, vira um ensopado, vai pra mesa (risos). A comida é bonita. Tem cheiros, cores, barulhos. Já profissionalmente me encantei com a correria das cozinhas profissionais, com o fogo e o foco. Cozinhar é fazer várias coisas ao mesmo tempo e todas elas fazem parte de uma só. Isso me mantinha muito ligada ao trabalho. Foi muito sedutor pra mim.

Você falou muito sobre preencher o seu tempo. Por que? Sua infância e adolescência eram tediosas?

Eu morava só com a minha mãe. Ela trabalhava e estudava à noite. Eu ficava sozinha por muitas horas e tinha que preencher meu tempo pra não ficar solitária, ocupar a casa de cheiros, de temperatura, de movimento. E a cozinha é um espaço em que isso acontece. Tem uma panela que ferve, que sai um vapor, um cheiro que perfuma, um barulho, um forno que te mantém aceso, não só ele. A cozinha está ligada à vida, muito. E eu estava muito sozinha, precisava de companhia. A cozinha me deu isso.

Paola Carosella usa vestido A La Garçonne e sandália Arezzo — Foto: Thais Vandanezi

É impressionante o elenco da primeira temporada do programa. Fátima Bernardes, Pedro Bial, Juliette… Como o Alma de Cozinheira é diferente de outras participações suas na TV?

O programa é um jantar. Eu que dei este nome porque sou uma mulher que é muito mais do que uma cozinheira, mas a alma sempre vai ser. Eu amo o que eu faço, receber pessoas, manusear ingredientes e fazer massa, bolo, sobremesas, pensar cardápios… Mas também adoro conversar sobre outras coisas e não sobre comida o tempo todo. E quero me desafiar a fazer coisas novas. Esta é a primeira vez que saio um pouco deste espaço [da gastronomia, exclusivamente]. Não sou mais a jurada, não estou ensinando a receita, eu estou convidando pessoas incríveis para comer a comida que eu fiz e conversar sobre diversos assuntos. A comida pincela o programa, mas não é um programa em que eu ensino a cozinhar e os convidados estão só ali do lado.

Recentemente você declarou estar procurando um pouco mais de leveza depois de fazer o MasterChef. Era pesado julgar as pessoas daquela forma?

Eu amei fazer, me diverti muito e aprendi. Mas chegou uma hora em que o meu caminho pessoal era se afastar um pouco da “chef de cozinha do restaurante sério que quer ganhar prêmio e competir” [enfatiza]. Não era o que eu queria fazer, continuar num programa que se chamava MasterChef… Depois de 32 anos de cozinha, me senti no direito de partir para outra. Já não fazia sentido ficar num lugar em que eu precisava falar como as cozinhas profissionais são exigentes, têm muita pressão, anseios e a procura constante pela perfeição. Tudo isso está tão longe de mim hoje em dia. Por um lado foi isso. Por outro, foram seis anos e meio num mesmo papel. Eu raramente quero ficar sempre fazendo a mesma coisa. Acho muito legal se desafiar.

Sou uma mulher que é muito mais do que uma cozinheira, mas a alma sempre vai ser

— Paola Carosella

Paola Carosella usa vestido Glória Coelho, brincos Carolina Neves e sandália Arezzo — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella usa vestido Glória Coelho, brincos Carolina Neves e sandália Arezzo — Foto: Thais Vandanezi

Temos uma questão forte no Brasil, que é a fome. O que os restaurantes fazem ou deveriam fazer em relação ao desperdício de alimentos no nosso país, na sua opinião?

Durante um tempo os restaurantes não podiam doar os alimentos não utilizados. Mas agora existem plataformas onde todo mundo pode doar, não somente restaurantes, como pessoas físicas. Tem uma plataforma que se chama Comida Invisível, que você pode se cadastrar e doar, por exemplo, quatro quilos de batata. Essa plataforma vai te conectar com alguém que está perto e se disponibiliza a ir até a sua casa buscar. No Arturito a gente doa muita coisa, mas não é descarte. Eu faço a massa do macarrão com gemas, então colocamos as claras dos ovos orgânicos no vácuo e doamos. Doamos também os cogumelos que são usados para fazer o caldo, já que os cogumelos não são usados na receita. No La Guapa, doamos a massa das empanadas. Mas o problema da fome não está ligado à cadeia produtiva, que é o arroz e o feijão que sobrou na sua geladeira.

Está ligado a que?

O desperdício acontece no início da produção. Cerca de 30% da produção mundial de alimentos é descartada antes de chegar à gôndola do mercado. As políticas públicas fazem com que o alimento só chegue àquele que paga. Não é um direito, é consumo. Se fosse um direito, como está na Declaração Universal dos Direitos Humanos, os governos teriam políticas para quem não tem acesso ao alimento. O Brasil já teve. Foram extintas no último governo, vamos ver o que acontece agora… E o Brasil não deveria ter fome. O país produz comida de sobra e tem biodiversidade, tem água, tem terra, tem clima. A fome dos últimos tempos foi uma decisão política e poderia ter sido evitada, além da pandemia e além da guerra na Ucrânia. Essas situações incentivaram, mas desde 2018 já existiam sinais graves de que as coisas estavam piorando.

Neste cenário, o empresário de restaurante, o chef de cozinha, tem que ter responsabilidade social?

A minha responsabilidade social e a de todo mundo é olhar em volta e pro entorno como iguais e ver tudo o que eu posso fazer para esse entorno. Como cozinheira e como empresária, eu sou coordenadora do projeto Cozinha e Voz, que desde 2017 forma cozinheiras e cozinheiros em fragilidade social. No Arturito a gente compra de fornecedores locais, tenta fortalecer pequenos produtores. Temos a Salada do Agricultor, o Prato do Agricultor. A maioria dos insumos que o nosso restaurante tem vende agricultura familiar, orgânica. A gente tenta. E, obviamente, não desperdiçar. Quando podemos doar, doamos. Mas quem apaziguou a fome durante a pandemia foi a sociedade civil. Aquelas dez pessoas que se juntavam pra fazer sopão na esquina de casa. Quanto tivemos disso? Não é só a gente [os empresários]. Tudo bem, nós também temos responsabilidade. Quando o problema bate à porta do jeito que aconteceu no Brasil, todo mundo tem. Mas dá muita raiva ver que tudo isso poderia ter sido evitado.

Eu vejo você sempre falando dos ingredientes serem frescos, da gente tentar plantar em casa nossos temperos, comprar insumos mais saudáveis e, por fim, cozinhar, o que é bastante válido. Mas como aquela mãe solo que tem três filhos desiste da salsicha, do nuggets, com suas facilidades e preços acessíveis, para comprar e cozinhar um ovo?

Mas eu que tenho que dar uma dica para a vítima do sistema? O que eu preciso é que o sistema se modifique. Uma mãe solo de três filhos… Cadê o pai dessas crianças, cadê o sogro, cadê o entorno que eu mencionei? Sobrou só pra ela? E aí eu tenho que falar: não compra a salsicha, faz mal. Compra tomate, legumes, faz uma saladinha! É uma sacanagem! Eu tenho um papel muito difícil. Por um lado, resistir, ensinar a cozinhar com ingredientes de verdade, sabendo que provavelmente a maioria das pessoas não têm acesso a isso. Quando eu milito de alguma maneira – e sou esculachada -, estou militando por acesso à comida de verdade. E também por tempo. Não adianta ter acesso se você não tem tempo para cozinhar. Depois dessas duas coisas, milito por conhecimento. A comida tem que voltar a ser importante. Temos que falar sobre cozinhar para que isso não vire um tabu. Eu sei que é perigoso, mas quais são as minhas alternativas? Continuar falando, para fazer com que a comida continue existindo, ou me silenciar e votar que ela vire um tabu? Se vira, já era. Vão nos dar o que eles querem nos dar para comer. Farinata, como deram em São Paulo, lá em 2018. Era uma ração humana. Quando eu critiquei essa medida no Twitter, muitas pessoas me atacaram. Pegaram um produto que ia ser descartado, um dia antes da validade, transformaram nesta ração, embalaram com uma imagem santa e deram para essas pessoas. No fim é: ‘eles podem comer isso, mas eu vou comer meu bife, minha moquequinha’. Sabendo dessa realidade, defender a comida, para mim, é uma forma de fazer ela continuar existindo.

Quando eu milito de alguma maneira – e sou esculachada -, estou militando por acesso à comida de verdade

— Paola Carosella

Paola Carosella usa vestido Glória Coelho, brincos Carolina Neves e sandália Arezzo — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella usa vestido Glória Coelho, brincos Carolina Neves e sandália Arezzo — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella usa vestido Glória Coelho, brincos Carolina Neves e sandália Arezzo — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella usa vestido Glória Coelho, brincos Carolina Neves e sandália Arezzo — Foto: Thais Vandanezi

Ok, não vou mais fazer essas perguntas. É que à parte disso, do acesso, o bom desse boom de programas culinários, cujo precursor recente foi o MasterChef, é que muito mais gente voltou a ter apreço por cozinhar. Essa mesma gente sem tempo…

[Paola me interrompe e ri] Pode perguntar. Pode mesmo! Pode! Pergunta! Não estou te culpando, de jeito nenhum… Jamais [Sorri muito e insiste]

Então…

Sim, isso é excelente [MasterChef, precursor do desejo de cozinhar], é também uma forma de resistência. Eu fui muito pro extremo com você. Talvez eu tenha sido grossa. Talvez sua pergunta tenha sido: ‘qual é o pulo do gato para aquele que quer cozinhar e comer melhor?’

Sobretudo era meio isso (risos).

Eu acho que quem quer comer melhor e cozinhar tem que entender primeiro que leva tempo e que você tem que lavar a louça. Não existe o ‘cozinho, mas não gosto de lavar louça’. As pessoas têm que entender que dá trabalho, mas pode ser muito prazeroso. E elas precisam se concentrar. Não ficar olhando o celular toda hora. De repente ouvir um podcast e conversar com alguém enquanto faz. Essa mãe solo, se trabalha fora, não vai ter o tempo de cozinhar todo dia. Alguém tem que esticar a mão, ela tem que ter uma comunidade de apoio, de suporte. A gente perdeu isso nesta sociedade nova, onde cada um mora sozinho e afastado de sua família.

E com problemas crescentes de saúde, mentais, obcecados com trabalho até tarde no home office…

Estamos caminhando para um lugar perigoso se continuarmos assim. Cada vez mais afastados do princípio básico de que a gente também é bicho na natureza. Nós somos natureza e precisamos comer, preparar o alimento. Esse tempo que a gente gasta para cozinhar também te limpa a cabeça. É um exercício. Talvez colocar como regra cozinhar três vezes na semana, ou duas. E aí você vai guardar algumas coisas na geladeira. Se você tem um molho de tomate delicioso, consegue fazer um macarrão em cinco minutos. Se você fez uma sopa, é só congelar. Sopa é janta (risos). O ato de cozinhar tem que estar envolvido no nosso cotidiano. E os solteiros, as pessoas que não têm filhos, os homens, principalmente, não têm mais esse hábito. Meu namorado, por exemplo. Eu abro a geladeira dele e tem uma bandeja de bacon com uma fatia. Não tem mais nada. No cotidiano da maioria das pessoas, fazer comida não está na agenda. E tempo tem. Ou pra trabalhar mais ou pra perder nas redes sociais.

Paola Carosella usa blazer e calça MISCI e brincos Carolina Neves — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella usa blazer e calça MISCI e brincos Carolina Neves — Foto: Thais Vandanezi

Restaurante é um business ingrato. Você teve muitas dificuldades como empresária?

Muitas. O Arturito tem 15 anos, muito orgulho. É um ramo muito difícil, especialmente se você não tem suporte, nenhum apoio. Foi meu caso no Julia Cocina (aberto em 2003). Era eu sozinha comigo mesma. Foi um sucesso de público, ganhou prêmios, mas muito difícil de levar. Num momento, quando eu percebi que meu sócio não estava presente como eu gostaria, resolvemos que ou um saía ou um comprava do outro. As duas propostas estavam em cima da mesa. Ele decidiu comprar de mim, vendi minha parte e eu abri o Arturito. E lá eu estou há 15 anos porque quando ele tinha oito anos eu conheci o Benny [Goldenberg], meu atual sócio. A gente tem uma parceria muito sadia e cada um tem o seu talento. Tem uma coisa com os restaurantes que muita gente ama cozinhar e resolve abrir um. Mas não é assim que funciona. Se você ama cozinhar, não quer dizer que você vai saber administrar. São milhões de impostos, leis, regulamentações e portarias. Coisas que temos que estar ligadas. Se você está cozinhando o tempo todo, não tem tempo de olhar isso. Por isso tantos restaurantes abrem e fecham. É desesperador tudo o que você tem que fazer.

Nesta trajetória de 32 anos como cozinheira, você sentiu muito o machismo do ramo?

Eu comecei a cozinhar aos 18 anos, em 1990. Eu pertenci a uma geração de mulheres que achavam que as feministas já tinham feito o que tinham que fazer e agora era só esperar que o machismo acabasse [risos]. Não se falava nisso. Por mais que minha mãe fosse forte e independente, não fui criada com o alerta ‘cuidado com os homens’. Eu honestamente não tinha o radar ligado para isso. Talvez se eu voltasse pra trás hoje, com o meu entendimento do machismo atual, te falaria: ‘sofri milhares de vezes’. Agora sim eu tenho o radar muito ligado porque voltamos a falar disso. E a gente consegue entender e desconstruir hoje o nosso próprio machismo. Mas para isso você precisa observar com lupa e estar ligado em quais são os gatilhos que antes não reconhecia. Se eu voltasse ao passado, provavelmente eu te falaria: ‘esse aqui é bem macho escroto’.

Paola Carosella usa blazer e calça MISCI, brincos Carolina Neves e sandália Eurico — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella usa blazer e calça MISCI, brincos Carolina Neves e sandália Eurico — Foto: Thais Vandanezi

Você declarou, quando anunciou a separação de Jason Lowe [com quem foi casada por oito anos], que percebeu situações de machismo vindas dele, atitudes especialmente relacionadas ao seu sucesso profissional.

E eu demorei muito tempo, e com muita terapia, que eu faço há muitos anos, para entender que eu estava num relacionamento abusivo. Com alguém que não me deixava ser, que me podava, que me dava recomendações do que eu deveria fazer. Que me fazia sentir culpada por eu ter sucesso, por ser curiosa e querer fazer coisas novas. Que me desencorajava a fazer essas coisas e tentava me manter dentro de casa. Que me fazia sentir culpada porque eu ia trabalhar e usava minha filha para me impor culpa. ‘Ah, você foi embora, ela ficou tão triste’. Porque eu tinha ido trabalhar, sabe? São umas pinceladas muito finas. Quando eu tiro elas de contexto e te conto, parecem terríveis, e são. Misturadas no cotidiano, era algo que passava despercebido. Daí a gente se separou. Veio um espaço e um silêncio e neste espaço e silêncio você começa a olhar tudo o que aconteceu e fala: ‘nossa, por que eu me deixei estar neste lugar?’. Eu acho que mulheres e homens entram em relacionamentos abusivos por muitos motivos. E um dos principais é porque talvez tivemos relacionamentos abusivos na infância, com nossos próprios pais. Corremos atrás do que consideramos o que é amor. Até que a gente perceba isso, teremos essa ideia errada.

E você está namorando agora né. Feliz?
Muito!

Me conta dele.
Ele é fotógrafo de arquitetura. Ele é arquiteto e fotógrafo de arquitetura aqui em São Paulo. Ele é baiano, tem 41 anos, eu tenho 50 [sorri]. Estamos juntos há um ano.

Que delícia.
Ele é mesmo uma delícia [todo mundo na sala gargalha].

Peço pizza, peço hambúrguer, comida árabe, peço sushi. São os quatro principais deliveries da minha casa

— Paola Carosella

Falando sobre você. Quando imaginamos sobre sua vida, talvez sempre pensamos que você está frequentemente cozinhando um macarrão, um risoto. Você não cozinha todo dia, obviamente.
Todo dia não. Mas eu sempre estou envolvida com alguma coisa dentro da cozinha. Faço café da manhã, uns ovos mexidos. Durante a semana, a Leide, que trabalha em casa, prepara o almoço. E no jantar eu dou uns tapas no que sobrou, faço um macarrão, salada, sanduíche. Rola muito sanduíche. No final de semana é quando eu cozinho mais.

Pede pizza?
Peço pizza, peço hambúrguer, comida árabe, peço sushi. São os quatro principais deliveries da minha casa, mas eu cozinho muito aos finais de semana.

Você vem tendo uma vida agitadíssima desde sempre, agora mais que nunca. Administrando, por exemplo, uma rede gigante como o La Guapa. O que você faz no seu dia de folga perfeito?

Perfeito? Eu tenho uma casa muito bonita, grande, que tem vários espaços. Eu gosto muito de ficar em casa, curtir a casa. Convido pessoas pra almoçar, cozinho, colocamos música na vitrola. Quando estamos sozinhos a gente curte muito ler, assistir seriado. Mas basicamente descansar. Ficar de pijama o dia inteiro, tomar café da manhã na cama, assistir as notícias até 11h da manhã. Ver filmes. O Manuel gosta muito de visitar museus e exposições, então acompanho ele nesses lugares. Eu também gosto. Mas também chego no final de semana muito cansada. Não acho tão certo chegar tão cansada assim.

Está tentando desacelerar um pouco?
Não consigo no momento, mas talvez [pensa]….

É um plano, de repente?
Para daqui alguns anos, sim. Trabalhar um pouco menos. Eu trabalho muito. Trabalho muito!

Você disse que está em outra fase da sua vida, não buscar a perfeição de ser a MasterChef‘. Isso se traduz de alguma forma nos seus negócios?
Mas não mudou. Sempre fui a mesma. Acho que o que eu precisava pra mim era tirar o rótulo que os outros colocavam em mim. Eu sempre fiz nhoque com ragu de linguiça, carne com cebola e batata. Massa com cogumelos, mascarpone e limão. Que não são coisas sofisticadíssimas. Eu não faço cozinha contemporânea brasileira com espumas e coisas. Nunca tentei surpreender na comida através de receitas sofisticadas. O que eu fiz foi sair do lugar onde todo mundo pudesse me olhar como aquela grande chef. Mas eu acabei de sair. As pessoas continuam me olhando assim. Como se a única coisa que eu fizesse é cozinhar. Isso também é muito interessante, tentar algo novo, na minha idade. Deixar de lado aquilo que é pelo qual todo mundo te conhece e você falar: ‘mas agora eu sou outra’. É difícil para as pessoas entenderem que uma mulher da minha idade pode começar de novo

Paola Carosella usa body IDA, saia Due Panno, brincos, colar e pulseira Carlos Penna e sandália Room — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella pusa body IDA, saia Due Panno, brincos, colar e pulseira Carlos Penna e sandália Room — Foto: Thais Vandanezi

Ter se tornado famosa afetou a sua vida? Como você lida com isso?

Eu acho divertido. Tem o ônus e o bônus. Depois você tem que saber lidar com o lado ruim, que são as manchetes sensacionalistas…

Dá um pânico?

Isso é insuportável. Cada vez que eu abro o Google Notícias, vem outra vez: ‘Paola não pagou o aluguel’. Claro que eu paguei, pelo amor de Deus. Me incomoda muito. Eu tenho essa coisa da justiça. Aí eu mando uma mensagem pro jornalista e falo: ‘você está mentindo’. E ele fala: ‘mas no artigo eu explico’. Sim, mas a manchete está errada.

Mas isso é uma epidemia. O clickbait tem dominado a internet. Os sites não sobrevivem sem ele. Não é culpa dos jornalistas.

É clickbait total. É horroroso e também denota qual tipo de público está lendo. É cada vez mais mastigado e mais sensacionalista. De alguma maneira o Google está assumindo que grande parte das pessoas não estão interessadas em outras coisas que não sejam uma fofoca. E de preferência uma fofoca que envolva frustração, drama, tragédia. É sempre assim. Faliu, não pagou aluguel, frustração, revela quanto sofreu num relacionamento… Aí você lê e… Tá.

Por outro lado, você percebe que quem está do seu lado e te conhece vai sempre te apoiar. Como quando tentaram boicotar o Arturito por uma fala sua sobre o bolsonarismo.

Aquilo pra mim foi um termômetro incrível. Você vê uma coisa acontecendo na internet e outra absolutamente diferente na vida real. As pessoas falavam: ‘o restaurante da Paola está vazio, faliu’. E tinha fila na porta, reservas esgotadas. Tinha um cara que ia toda segunda-feira, quando o restaurante sempre esteve fechado. E fazia vídeo: ‘tá vendo, faliu, não tem ninguém’.

Como você lidou com essa discrepância entre a realidade e o virtual?

Assusta um pouco ver o tanto que as redes sociais impactam na vida das pessoas e o quanto ela é diferente da vida real. Eu acho uma coisa meio Black Mirror. Não sei se a gente sabe administrar e separar o quanto nos intoxica esse ódio que, de verdade, não existe. Se eu estivesse frente a frente dessas pessoas, elas não fariam isso. Acho que tem pessoas que estudam muito mais para onde vamos, onde vamos chegar, o que deveria mudar. Mas é bem assustador ver o quanto somos viciados no celular. Quanto somos impactados, como somos mal informados, cada vez mais dentro das nossas bolhas. O algoritmo só nos dá o que a gente quer ver. Pra amar mais aqueles que amamos e odiar mais quem odiamos. Não tem nada que nos conecte. E cria tantos deuses e demônios que, por mais que você leia uma notícia boa daquele que você odeia, vai continuar odiando.

Você é muito ligada no celular?

Eu tento me disciplinar. Dá umas 19h, eu desligo ele até o dia seguinte. Agora não consigo mais. Pré-estreia, tenho que gravar áudio. Mas tenho que dar exemplo. Tenho uma filha de 11. Não posso falar ‘desliga o celular’ e ficar nele até tantas.

Como é a personalidade da Francesca?

Ela é engraçadíssima. Intensa, super. Ela adora as pessoas famosas, gosta de conhecer famosos e ver famosos. Ontem eu fui num podcast e ela mandava mensagens pedindo beijos, beijos, beijos. Daí quando eu mando, ela fala: ‘que bom, agora eu posso dormir’ [risos]. Ela é uma criança de 11 anos, né? Tem um celular, mas não tem redes sociais, mas adora ver shorts do YouTube.

Ela entende que você é você? Já mostrou algum talento?

Sim, super. Quando a gente está na rua e as pessoas me param, ela adora. Fala: ‘vai lá, tira foto, sorri’ [risos]. Ela é muito, muito engraçada. Tem um timing bom. Mas muito nova pra entender tudo isso.

Paola Carosella usa body IDA, saia Due Panno e brincos, colar e pulseira Carlos Penna — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella usa body IDA, saia Due Panno e brincos, colar e pulseira Carlos Penna — Foto: Thais Vandanezi

Por fim, você é vaidosa? Vi o tanto que você arrasou nessas fotos, foi tão rápida e espontânea em tudo. No programa também? Quando você grava?
Obrigada [risos]. Sim, sou. Gosto de tratar minha pele, gosto de roupa, gosto de maquiagem, gosto de malhar. Eu gosto de cuidar de mim e me ver o melhor possível. Mas depois eu gravo e tenho vergonha de me assistir.

CRÉDITOS
Entrevista: Danilo Saraiva (@danilosaraiva)
Fotos: Thais Vandanezi (@thaisvandanezi)
Styling: Caio Sobral (@caiosobral)
Maquiagem: Vanessa Rozan (@vanessarozan)
Cabelo: Ana Sabadin (@anacarolsabadin)
Produção da capa: Mateus Phyno (@phynocomph_)
Assistência de fotografia: Renato Toso (_@renatogon) e Adrian Ikematsu (@adrianikematsu)
Assistência de styling: Deivid Moraes (@deividmoraeess)
Vídeo: Eduardo Garcia (@eduardogarda)
Design de capa: Izamara Marinho (@i.z.m.r)
Agradecimentos especiais: Zipper Galeria (@zippergaleria)

Paola Carosella usa body IDA, saia Due Panno, brincos, colar e pulseira Carlos Penna e sandália Room — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella usa body IDA, saia Due Panno, brincos, colar e pulseira Carlos Penna e sandália Room — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella usa vestido À La Garçonne e sandália Arezzo — Foto: Thais Vandanezi

Paola Carosella usa vestido À La Garçonne e sandália Arezzo — Foto: Thais Vandanezi

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.