Apresentadora fala também sobre infância, casamento e relação com o cabelo: ‘Estou numa relação de amor profundo’
Mariana Weber

Quando criança, Maju Coutinho brincava de ser o que é. Pilão virava microfone, mesinha servia de bancada de telejornal, miojo fazia as vezes de prato de programa de receitas. A menina cresceu, estudou Jornalismo, tornou-se repórter e apresentadora. Realizou tudo aquilo que imaginava, com exceção da parte da culinária — “Minha relação com a cozinha não é amigável”. O que não imaginava é que, aos 42 anos, seria a âncora do “Jornal Hoje” em um momento sem precedentes de crise sanitária, tensão política e proliferação de fake news. “É um desafio e tanto.”
E também um lugar exposto a ataques. “Eu me sinto às vezes em um looping em que não tenho muito sossego”, diz. Em março, Maju foi criticada por comentar “o choro é livre” ao discorrer sobre a necessidade de isolamento social no pico da pandemia. Voltou ao ar para se desculpar pela “expressão infeliz”. “Eu não estava de maneira nenhuma querendo me referir às pessoas que têm que sair para trabalhar, aos milhares de brasileiros que estão passando necessidade, que não recebem auxílio”, explica. “Fiz Jornalismo para lutar pela vida melhor de todos.” Os ataques também podem vir na forma de fake news. Como em fotos da jornalista na Praia do Leblon sem máscara que circulam nas redes — tiradas em 2019, antes de se falar em Covid. Ela até faz graça: “Gente, eu sou sustentável, mas há três anos que apareço com o mesmo biquíni!”
Já as postagens racistas de que foi alvo em 2015 tiveram como resposta uma ação judicial — que levou à condenação de dois acusados no ano passado. “Para quem está acostumado a sofrer racismo desde pequena, apesar de ser uma coisa horrorosa não é algo que derrube, porque você já está meio com a casca dura de levar no lombo”, diz. “Não significa que eu não sofra.” O apoio dos colegas e do público, com o movimento #somostodosmaju, ajudou a passar pelo caso, assim como a terapia que faz desde a época de faculdade. Também foi fundamental a formação que teve em casa. “Tive pais ligados ao movimento negro, muito conscientes.”

Filha de professores, Maju cresceu na Vila Matilde, Zona Leste de São Paulo, em uma família de classe média baixa. “Tive uma infância normal, boa, com comida em casa, estudei em escola particular, viajei.” Para ela, é preciso tomar cuidado com os rótulos de sofredora, batalhadora e vencedora. “É uma armadilha, em dois sentidos. Primeiro porque você vende que só podemos sair de uma condição, e não é verdade, apesar de ainda sermos maioria nas classes pobres. Depois, porque vende a questão da meritocracia: se a Maju conseguiu todas conseguem. Mas eu já saí de um patamar distante de outras meninas negras. O que não significa que elas não possam chegar, mas talvez tenham um caminho mais duro.”
Elas têm, pelo menos, um exemplo diário na TV. E mandam fotos para a apresentadora, mostrando seus cabelos parecidos com os dela. “É um impacto muito bacana. Já valeu a vinda.”

A seguir, trechos da conversa que Maju teve por videoconferência a partir da sua casa no bairro do Campo Belo (SP), onde vive com o publicitário Agostinho Moura, 57 anos — os dois se conheceram na fila de um show e estão casados desde 2009.
O GLOBO: O “Jornal Hoje” está fazendo 50 anos. Como é assumir como âncora nesse momento tão desafiador para o jornalismo?
Saí da previsão do tempo, em que dificilmente tinha um assunto muito pesado, e caí no “JH” no final de setembro de 2019. Então, passei poucos meses tranquila. E tranquila naquelas, porque a gente já tinha uma tensão política. Aí, em março de 2020, decretou-se a pandemia, com o jornal num horário estendido, de 45 para 85 minutos. Foi desafiante e ao mesmo tempo sinto um orgulho danado. Todo dia temos um esqueleto do que vai ser o jornal, mas enquanto apresento vão chegando notas, e vou entendendo o que está pegando no momento. É uma adrenalina.

Muitas pessoas comentam o mesmo: eu nunca imaginei passar por um momento assim. Como é transmitir isso quando você está no jornal?
É difícil. Ainda vou levar um tempo para digerir, porque agora estou na onda. E estou tentando me sustentar a cada dia, respirando, meditando, mas não tenho ainda clareza para fazer uma avaliação. Até falei no ar esses dias que parece aquele filme “Feitiço do tempo”, em que você está sempre no mesmo dia, mas com alguns detalhes mais macabros, as informações de morte escalando. É uma linha tênue. Não posso ser fria a ponto de ignorar o que está acontecendo nem ser dramática demais. Às vezes acerto, às vezes não, mas sinto essa corda bamba na comunicação de um negócio que é tão trágico que você também às vezes pode se anestesiar de tanto medo.
Como apresentadora negra, você ainda é minoria. Sente-se solitária?
Não tanto quanto há três anos. E a partir dos protestos antirracistas do ano passado, houve uma virada. Mas ainda tem um caminho pela frente. Já fico feliz de olhar para a tela e ver cabelos parecidos com os meus. Tento até disfarçar quando vai ao ar alguém parecida comigo, faço um sorrisinho de lado. Nunca tive isso. Glória Maria, Dulcineia [Novaes] e Heraldo [Pereira] eram praticamente os únicos, e não apareciam todos os dias. Estou diariamente entrando aqui com meu cabelo assim do jeito que é, cacheado, crespo.

Em um post no Instagram, escreveu “Meus cachos, minha vida”. Sua relação com eles sempre foi boa?
Não. Apesar de meus pais serem do movimento negro, minha mãe era uma mulher que alisava o cabelo. Olha, a Glória Maria foi mesmo corajosa, bato palmas, porque usou o blackzinho dela por muito tempo como repórter. Cresci vendo uma enxurrada de cabelos lisos e loiros. Não tinha consciência de que meu cabelo era assim. Minha mãe fazia trancinhas nele quando eu era pequena, depois alisei. Quando saiu a revista Raça, vi um cabelo todo trançado e pus trança. Aí tirei a trança e vi meu cabelo mais ou menos assim, mas ainda passava babyliss, que estragou os fios. Tive que colocar um aplique para eles crescerem. Agora que tirei e o cabelo está natural, estou numa relação de amor profundo. De entender quem ele é, como eu trato. Nunca tive isso antes.
Como era o envolvimento dos seus pais com o movimento negro?
Eles eram professores da rede pública — minha mãe coordenadora pedagógica, meu pai professor de português. Nos anos 1980, fizeram parte de um conselho de desenvolvimento da comunidade negra. Iam muito a reuniões, e eu ia junto. Isso foi importante na minha trajetória. Conheço outras pessoas que só se deram conta de que são negras quando chegaram à idade adulta. Eu não, já sabia desde que me entendo por gente, já fui colocada como negra pela família, no sentido de que nós somos uma comunidade. Quando nasci, minha mãe virou para uma amiga e falou: “Nossa, que medo, porque eu estou colocando uma mulher negra no mundo. Eu acho que vai ser muito difícil para ela”.
Quando foi alvo de ataques racistas (em 2015), você disse que já tinha criado uma casca dura. tinha sofrido isso em outros momentos da vida?
Desde pequena. Espero que as crianças que estão chegando agora encontrem um caminho diferente. Pequenininha, estudava em pré-escola particular e era a única negra, então a coleguinha achava que a minha casa, a minha comida, o meu xixi, tudo era preto. Hoje dou risada, mas para uma criança é dolorido. Tem também a questão de, quando se é negra como eu, com a pele mais escura, se é mais animalizada: macaco, essas coisas, é muito comum ouvir. Teve uma marcante, de um amigo-secreto, que hoje acho inimigo-secreto, mandar um bilhetinho: “Por que você não passa um condicionador nesse cabelo?”. Nesse nível. São essas coisas que fazem parte do racismo estrutural e que podem minar a confiança, a autoestima.

Tem vontade de ter filhos?
Nunca tive aquela vocação, aquele sentimento de ser mãe. Adoro crianças, as crianças gostam de mim. Meu marido tem dois filhos, né? Já é avô, inclusive, tem dois netinhos. Ele já tinha filhos adolescentes quando a gente se conheceu. E a gente se dá muito bem do jeito que a gente tá, então eu nunca tive essa supernecessidade de ser mãe. De repente, mude de ideia, adote ou engravide. Não estou falando que é um jogo fechado, mas no momento é isso.
Como está a sua rotina? Quem é você na pandemia?
Eu sou uma mulher monástica. Acordo cinco e pouco porque tenho que ler o máximo que eu puder de jornal, me inteirar, e tenho que me exercitar um pouco, então eu vou lendo numa bike aqui em casa. Quando dá para correr, saio. Chego na Globo às 8h15 e já começa: é fazer maquiagem acompanhando a reunião de pauta pelo celular, depois produzir várias chamadas. Então é me preparar, meditar três minutos e às 13h25 entro no ar e vou até às 15h. Chego às 15h com fome — acabei ganhando cinco quilos e tive que perder na pandemia, porque ano passado a gente ainda não estava habituado com essa tensão de ficar presa, então eu comi mesmo, comi doce, tudo. Vou para casa e, agora que tem o “Papo de Política” (na GloboNews), descanso um pouco e tento falar com as fontes para ter alguma coisa para o programa. E durmo cedo. Terminou o “JN” eu meio que já estou dormindo para dar conta.